Babygirl
Muitos filmes eróticos já foram realizados. Fantasias sexuais, jogo entre dominação e dominado, assédios ou simplesmente a descoberta do prazer. O que chama a atenção na obra da diretora holandesa Halina Reijn é o ponto de vista. Ainda que a dominação continue sendo masculina, é em Romy, personagem de Nicole Kidman que ela concentra suas lentes.
Na trama, a CEO de uma grande empresa tem uma vida estável, mantém relações sexuais com seu marido, cuida das duas filhas adolescentes, comanda sua equipe em um clima amigável. Porém, no fundo, ela não se sente realizada sexualmente, a ponto de ver, escondida, cenas pornôs após transar com o marido. Tudo muda quando chega o estagiário Samuel, que já chama sua atenção ao dominar uma cadela solta na rua que iria atacá-la.
O jogo de sedução explorado na obra é instigante, porque não há vítimas e perseguidores. Há uma constatação quase mágica de desejos escondidos que tocam os dois protagonistas e os fazem um par perfeito em suas fantasias. Pode-se questionar a lógica de algumas situações ou mesmo problematizar o fato de uma CEO bem-sucedida desejar ser uma cadela adestrada, mas o fato é que o filme constrói sua verossimilhança e pretende mesmo quebrar o tabu em relação ao desejo feminino.
Porque, na realidade, a obra é sobre isso. Ainda que o roteiro busque algumas situações de tensão e suspense em relação ao mundo corporativo ou a própria relação familiar. A verdadeira trama é a de auto-descoberta da protagonista, ou melhor, da aceitação de seus desejos mais escondidos. A compreensão de que o que a excita na cama, não é, necessariamente, o que a define na vida.
Até por isso, é uma obra e um papel para fazer Nicole Kidman brilhar. Sua entrega é louvável, sem medo de cair no estereótipo ou parecer ridícula. E Reijn não poupa sua atriz de desafios, a ponto de abrir o filme Babygirl com um close em seu rosto em pleno orgasmo, ou pelo menos o que achávamos ser isso, o que traz ainda mais nuanças para sua interpretação. Entre a empresária poderosa e a frágil mulher, há camadas que a deixam ainda mais complexa e instigante. Inclusive a sua versão mãe e boa esposa.
Harris Dickinson também defende bem sua personagem. O rapaz enigmático que é capaz de seduzir e controlar as pessoas com um tom firme e uma capacidade de observação impressionante. Não apenas a cadela do início e Kidman caem em suas graças, até mesmo um possível inimigo acaba cedendo a seus comandos em determinado momento. O resto do elenco também compõe bem a cena, com destaques ainda para Antonio Banderas como o marido e Sophie Wilde como a assistente.
Outro destaque do filme é a montagem. Os cortes entre situações opostas trazem um efeito de complemento e repulsa ao mesmo tempo que constroem ironias imagéticas muito boas. Há criatividade em dizer muito sem palavras, só na oposição entre duas situações como ela em uma situação de submissão em contrastes com sua filha adolescente girando no palco em uma apresentação de dança. Destaque ainda para toda a sequência em uma boate, reforçando as situações entre o absurdo, o prazer e o tragicômico.
Babygirl é uma obra instigante, sedutora e envolvente em diversos aspectos. Não tem medo de lidar com tabus e se apresenta como um dos destaques do ano, com chances na premiação do Oscar.
Babygirl (EUA, 2025)
Direção: Halina Reijn
Roteiro: Halina Reijn
Com: Nicole Kidman, Harris Dickinson, Antônio Banderas, Sophie Wilde, Leslie Silva, Esther-Rose McGregor
Duração: 114 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Babygirl
2025-01-09T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
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