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Código de Honra
Código de Honra
Acabei o filme com a sensação de ter testemunhado um Dom Quixote embriagado, cavalgando contra moinhos corporativos ao invés de Golias reais, e ainda por cima lutando contra o próprio vício. Código de Honra, dirigido pelos irmãos Adam e Mark Kassen, baseia-se em eventos verídicos, mas com o peso dramático aumentado por escolhas estéticas que às vezes escorregam para um certo excesso. Ainda assim, é impossível ignorar sua força moral.
O filme começa com um choque visual e narrativo: a enfermeira Vicky (Vinessa Shaw) é picada por uma agulha insegura e contrai HIV. Logo percebemos que aquele incidente se ramifica em uma trama que envolve monopólios, corrupção hospitalar e a indiferença institucional. A câmera demora em edifícios iluminados enquanto Mike Weiss (Chris Evans) passa diante deles, como se dissesse: milhões vivem alheios a essa injustiça. A denúncia é clara, mas o filme opta por uma abordagem sensorial, íntima, que prioriza a espiral emocional de seu protagonista em detrimento de uma estrutura puramente expositiva. E isso é o que o torna tão diferente da média dos dramas jurídicos baseados em fatos.
Chris Evans surpreende ao se despir completamente da imagem heróica associada a seus papéis mais conhecidos. Aqui, ele encarna um advogado brilhante, mas profundamente autodestrutivo, entregando uma atuação cheia de nuances. A vulnerabilidade com que interpreta Mike Weiss confere ao filme uma densidade emocional rara, transformando a luta jurídica por seringas mais seguras em algo visceralmente humano. Sua jornada não é apenas uma batalha contra o sistema, mas também contra si mesmo. O filme ganha força justamente ao evitar retratá-lo como um herói tradicional. Ele é falho, errático, às vezes insuportável. E é essa honestidade que dá espessura à narrativa. A forma como o filme alterna momentos de lucidez jurídica e colapsos pessoais não apenas enriquece o personagem, mas também desafia o espectador a acompanhar um protagonista que não quer ser salvo.
Além da atuação central, há um cuidado evidente na estrutura narrativa e no ritmo do filme. O roteiro, embora baseado em fatos reais, evita o didatismo típico dos dramas de tribunal, optando por um tom mais subjetivo, quase nervoso. A direção dos irmãos Kassen acerta ao manter o pulso do drama firme, sem perder a energia mesmo nas sequências mais contemplativas. A montagem ajuda a manter essa cadência entre cenas de tensão e momentos introspectivos, e a trilha sonora funciona como um pano de fundo emocional que sabe se calar quando necessário, mas também amplifica a tensão nos momentos certos. Há um subtexto poderoso sobre ética na saúde pública e o preço da omissão institucional, que amplia o alcance temático para além da história individual de Mike.
Ainda assim, nem todos os elementos funcionam com o mesmo equilíbrio. Há momentos em que o filme escorrega para o melodrama, particularmente nas cenas em que o vício de Mike se impõe de forma mais explícita. A overdose do protagonista, por exemplo, é construída com uma dramaticidade tão carregada que por vezes parece ceder à tentação de chocar em vez de emocionar. Essa tendência ao exagero compromete parte da autenticidade da narrativa. O desfecho também pode frustrar quem esperava uma conclusão mais redonda ou catártica. Embora coerente com a proposta realista do filme, a conclusão acontece de forma abrupta, sem oferecer ao público uma resolução emocional clara. Essa ausência de fechamento, ainda que deliberada, pode deixar a sensação de uma ferida aberta.
Enfim, alguns momentos exemplificam como Código de Honra não é apenas um filme sobre seringas retráteis: é sobre a ferida crônica da ganância institucional. Ele escancara como um caso verídico pode ser martirizado por choques de poder, como a podridão presente na escolha de lucro acima da vida. Se pudesse escolher uma definição, diria que é um filme agudo: uma punção na consciência, feita com agulha esterilizada, mas sem anestesia.
Código de Honra (Puncture, 2011 / Estados Unidos)
Direção: Adam e Mark Kassen
Roteiro: Paul Danziger, Chris Lopata, Ela Thier
Com: Chris Evans, Mark Kassen, Vinessa Shaw, Marshall Bell, Brett Cullen, Kate Burton
Duração: 100 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Código de Honra
2025-08-13T08:30:00-03:00
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