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Ó Paí, Ó

Ó Paí, Ó - filme

Assistir Ó Paí, Ó é como escutar uma conversa que acontece no Pelourinho durante os últimos suspiros de um carnaval que já vai acabando — é barulho, ritmo, um pouco ruidoso, mas cheio de vida. Monique Gardenberg dirige com um olhar sensível e despretensioso, aspirando à negritude pulsante de Salvador. E parece que a câmera dança. É realismo carnavalesco, com trilha sonora que escorrega na alma: Davi Moraes e Caetano Veloso assinam, e se sente essa assinatura na pele sonora do filme.

Lázaro Ramos é o centro de tudo como Roque: ele canta, ri, expressa um desejo contido de ser mais do que um morador de cortiço. Ele é um artista. Há carisma o suficiente para lhe segurar o coração. Ao seu lado, Wagner Moura como Boca é incisivo, com uma presença que desafia o espaço, mas cujo texto raramente lhe dá fôlego. E aí está uma das frustrações: o elenco brilha, mas os personagens muitas vezes são notas musicais soltas num arranjo que podia compor algo mais profundo.

Ó Paí, Ó - filme
O que me seduz no filme é a forma como Gardenberg recria o Pelourinho não só como cenário, mas como personagem. A arquitetura, o calçamento, o sotaque, tudo vira lente cultural. O filme tem uma poética urbana: planos verticais que sobem do cortiço para a janela, evidenciam a pobreza e a convivência íntima como uma roda viva, quase documental, numa releitura do neorrealismo italiano com tempero baiano.

O humor é força vital do filme e abraça com leveza suas imperfeições. Mas não podemos ignorar que essa leveza às vezes escorrega para a falta de propósito: há passagens musicais e cenas que parecem pontuais, intensas, mas deslocadas. Falta coesão narrativa, especialmente num terceiro ato que se enreda em melodrama e um final que me parece forçado, como se disséssemos um “pronto, acabou” sem resolução clara.

Ó Paí, Ó - filme
As cenas de música com Olodum, as batidas dos atabaques, a fotografia dourada no Pelourinho: tudo isso representa uma Bahia preta viva, na pele de cada corpo que dança ou sofre debaixo do sol. Ainda assim, o filme demora a encontrar profundidade. Os personagens são símbolos em busca de densidade: a coletividade existe, está ali, mas o filme esquece de dar espaço para cada história florescer. Fica à mercê de fragmentos que emocionam, mas dificilmente nos mantêm dentro da narrativa. São retalhos episódicos que nem sempre possuem coesão.

E isso me traz a um momento ímpar na história do cinema brasileiro: a sequência entre Lázaro Ramos e Wagner Moura. Uma discussão carregada de tensão racial, de frustração íntima, de afirmação de humanidade diante de olhares desconfiados. É um lampejo de verdade que ilumina o que o filme poderia ser em todos os momentos: potente, político, visceral. E é justamente nessa cena que se deposita toda a representatividade que Gardenberg parece buscar, com pura força crua.

Enfim, a autenticidade visual e sonora, a energia dos atores, a ambientação cultural que nos transporta para o Pelourinho com cheiro de dendê e som de tambor, sumo da sensação de coletividade carnavalesca, são revigorantes em nosso cinema. Porém, a estrutura narrativa frouxa, falta de aprofundamento de personagens e uma conclusão que parece simplesmente desligar a narrativa para fechar o filme são pontos que frustram.

No geral, Ó Paí, Ó é uma promessa de uma Bahia que dança, que canta, que ri, mas também que resiste. Um filme que pulsa na memória por sua estética, mas nos deixa desejando algo mais sólido, mais político, mais épico no seu dizer acerca da negritude e da cultura brasileira. Gostoso de assistir, mas que, a meu ver, podia ser muito mais.


Ó Paí, Ó (2007 / Brasil)
Direção: Monique Gardenberg
Roteiro: Monique Gardenberg
Com: Lázaro Ramos, Wagner Moura, Dira Paes, Luciana Souza, Érico Brás, Tânia Tôko, Emanuelle Araújo, Cássia Vale, Rejane Maia, Auristela Sá, Lyu Arisson
Duração: 96 min.

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