Instinto de Vingança
Eu tenho que admirar a criatividade dos americanos para argumentos toscos. E Instinto de Vingança consegue superar as expectativas. Dirigido por Michael Cuesta com produção de Ridley Scott, eu esperava algo interessante. Mas como esperar algo interessante de uma sinopse como essa: "Terry está se recuperando de um transplante de coração, que mudou sua vida. Certo dia, ao fazer um check-up, seu coração começa a bater mais forte quando um paramédico passa ao seu lado. Tudo volta ao normal quando o médico se afasta, mas quando acontece novamente, Terry começa a desconfiar que há algo estranho. Logo, ele se dá conta de que seu coração veio de um assassino e percebe que o órgão tem vontade própria e poderia matá-lo ou levá-lo à loucura, a não ser que ele consiga desvendar este mistério." É até pecado dizer que isso é inspirado no conto O Coração Delator de Edgar Allan Poe.
Na obra de Michael Cuesta, em alguns momentos eu lembrei de Brinquedo Assassino, em outras de Um Espírito Baixou em Mim. Um coração vingativo que chega perto de seus algozes e tem vontade de matá-los, controlando o corpo do seu novo dono, é demais para qualquer um. Depois reclamamos de pessoas que têm medo de receber o transplante de um coração desconhecido. Já tivemos várias histórias sobre sensações, mudanças no estado psicológico, emoções novas por causa de um novo coração. Alguns filmes mostram transplantados com atitudes diferentes. Uma novela da Globo já fez um homem se apaixonar pela mulher que recebeu o coração de sua falecida esposa. E até propaganda já mostrou um cão seguindo o transplantado com o orgão de seu antigo dono. É compreensível. O coração no dito popular é quem carrega nossa alma. Mas um coração tomar um corpo da forma como está no filme é exageradamente novo para mim. No conto, estamos no mundo da fantasia, no longametragem, se propõe realista. Esse é o maior problema.
Para começar, o transplante chega a ser ridículo, afinal, o sangue dos dois pacientes é diferente. Um O outro AB. Eles tentam explicar que AB é receptor universal e O é doador universal, mas essa determinação é no caso de transfusão de sangue e em casos extremos de vida ou morte. Sempre é melhor manter o mesmo tipo sanguíneo. Imagine em um transplante de coração? A possibilidade de rejeição seria absurda. E o pior é que, para justificar a possessão, o protagonista não apenas recebe um coração com outro sangue, como seu organismo começa a transmutar-se, mudando o seu tipo sanguíneo. É mole? David Callahan conseguiu se superar nesse roteiro e começo a achar que em Os Mercenários ele estava até inspirado.
Tirando o argumento assustadoramente pífio e o roteiro absurdo, o filme não chega a ser uma perda de tempo total porque tem algumas cenas de tensão. A gente consegue sentir agonia em alguns momentos e até simpatizar com o drama da filha do protagonista que tem uma doença genética rara a Fibrodysplasia Ossificums Progressiva. Fora que a pequena Beatrice Miller é fofinha, o que acaba nos envolvendo. O próprio Josh Lucas não está tão ruim como Terry Bernard. O problema foi Michael Cuesta ter dirigido isso como se fosse sério, criando bases "científicas". O suspense tão bem conduzido no conto que lhe deu origem, simplesmente se perdeu.
O final, então, não vou contar, mas é tosco. E o cinema ainda não ajuda, acendendo as luzes antes do primeiro crédito subir. Nem dá tempo de sentir o efeito que o diretor tentou fazer. Aliás, o mais interessante do filme é o efeito sonoro. Dá pra sentir o coração raivoso batendo de forma angustiante, o zunido ensurdecedor também, além, claro de todo o desenho de som típico de um bom suspense. Pena que desperdiçado de forma tão "criativosa". Acho que poucas vezes saí do cinema tão desanimada.
Na obra de Michael Cuesta, em alguns momentos eu lembrei de Brinquedo Assassino, em outras de Um Espírito Baixou em Mim. Um coração vingativo que chega perto de seus algozes e tem vontade de matá-los, controlando o corpo do seu novo dono, é demais para qualquer um. Depois reclamamos de pessoas que têm medo de receber o transplante de um coração desconhecido. Já tivemos várias histórias sobre sensações, mudanças no estado psicológico, emoções novas por causa de um novo coração. Alguns filmes mostram transplantados com atitudes diferentes. Uma novela da Globo já fez um homem se apaixonar pela mulher que recebeu o coração de sua falecida esposa. E até propaganda já mostrou um cão seguindo o transplantado com o orgão de seu antigo dono. É compreensível. O coração no dito popular é quem carrega nossa alma. Mas um coração tomar um corpo da forma como está no filme é exageradamente novo para mim. No conto, estamos no mundo da fantasia, no longametragem, se propõe realista. Esse é o maior problema.
Para começar, o transplante chega a ser ridículo, afinal, o sangue dos dois pacientes é diferente. Um O outro AB. Eles tentam explicar que AB é receptor universal e O é doador universal, mas essa determinação é no caso de transfusão de sangue e em casos extremos de vida ou morte. Sempre é melhor manter o mesmo tipo sanguíneo. Imagine em um transplante de coração? A possibilidade de rejeição seria absurda. E o pior é que, para justificar a possessão, o protagonista não apenas recebe um coração com outro sangue, como seu organismo começa a transmutar-se, mudando o seu tipo sanguíneo. É mole? David Callahan conseguiu se superar nesse roteiro e começo a achar que em Os Mercenários ele estava até inspirado.
Tirando o argumento assustadoramente pífio e o roteiro absurdo, o filme não chega a ser uma perda de tempo total porque tem algumas cenas de tensão. A gente consegue sentir agonia em alguns momentos e até simpatizar com o drama da filha do protagonista que tem uma doença genética rara a Fibrodysplasia Ossificums Progressiva. Fora que a pequena Beatrice Miller é fofinha, o que acaba nos envolvendo. O próprio Josh Lucas não está tão ruim como Terry Bernard. O problema foi Michael Cuesta ter dirigido isso como se fosse sério, criando bases "científicas". O suspense tão bem conduzido no conto que lhe deu origem, simplesmente se perdeu.
O final, então, não vou contar, mas é tosco. E o cinema ainda não ajuda, acendendo as luzes antes do primeiro crédito subir. Nem dá tempo de sentir o efeito que o diretor tentou fazer. Aliás, o mais interessante do filme é o efeito sonoro. Dá pra sentir o coração raivoso batendo de forma angustiante, o zunido ensurdecedor também, além, claro de todo o desenho de som típico de um bom suspense. Pena que desperdiçado de forma tão "criativosa". Acho que poucas vezes saí do cinema tão desanimada.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Instinto de Vingança
2010-10-22T15:30:00-03:00
Amanda Aouad
critica|Josh Lucas|Ridley Scott|suspense|
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