Rastros de Ódio
Há filmes que, por mais que os anos passem, continuam a impressionar em vários pontos. Assim, é Rastros de Ódio, considerado por muitos o melhor trabalho de John Ford e um ícone do western. O filme de 1956 impressiona não apenas pelo bom andamento do roteiro e imagens, mas principalmente pela mudança na construção do protagonista. Distante de um herói americano típico, o personagem de John Wayne é um dos mais complexos já vistos no gênero.
Ethan Edwards é um homem cansado, que volta ao rancho de sua família após três anos sem dar notícias. As crianças os recebem com alegria, o irmão com desconfiança, a cunhada com um certo constrangimento. A autoridade local só quer saber por onde ele esteve depois do fim da Guerra de Secessão. Ele pouco fala. Aliás, boa parte das mensagens de Rastros de Ódio está no não-dito. Tudo parece bem quando um grupo de índios comanches invade a casa, matando a todos, menos a pequena Debby, que é levada como refém. Um grupo de homens segue o rastro dos "selvagens" na tentativa de encontrá-la. Mas, a busca parece em vão. Apenas Edwards e o mestiço Martin Pawley, que foi criado pela família como filho, continuam anos a fio na caça que esperam ser um dia vitoriosa.
A apresentação de Ethan Edwards é emblemática. Uma porta se abre. O cenário do velho oeste americano, clima bastante árido, um homem e seu cavalo chegando aos poucos, as pessoas observando em expectativa. Interessante perceber que o personagem de John Wayne está sempre à parte da sociedade. Ele começa e termina o filme fora da casa. Passa anos em trânsito procurando a sobrinha. E mesmo nas horas em que se aproxima do grupo, parece um estranho. Há sempre um clima tenso, de rixa, de não-pertencimento. Muito disso, provavelmente tem explicação em um passado que não fica explícito em nenhum momento, como a verdadeira natureza de sua relação com a cunhada, ou o que ficou fazendo no período pós-guerra. É mesmo ele um fora-da-lei?
O racismo explícito desde a primeira cena em que Martin Pawley aparece só vai aumentando a cada cena, a cada gesto. É nítido o ódio que Ethan Edwards tem dos índios. Ele é capaz de violar o túmulo de um deles para atirar em seus olhos e amaldiçoar sua alma, já que eles acreditavam que não era possível chegar ao pouso final sem esses membros. Persegue os peles-vermelhas como se daquilo dependesse sua vida, a ponto de ser capaz de apontar uma arma para a sobrinha que procurou anos a fio, por ela defender a tribo que agora é o seu lar. Edwards não tem escrúpulos, mata pelas costas como ressalta o reverendo em determinada cena. É o anti-herói de quem se espera um desfecho trágico.
Ao mesmo tempo é tão marcante, principalmente pela interpretação de John Wayne. De longe o melhor ator em cena. Ao contrário do ainda garoto Jeffrey Hunter que não consegue acompanhar o parceiro de cena, sendo bastante caricato em alguns momentos, principalmente em seu relacionamento com Vera Miles. É de se levar em conta o modo de interpretação da época, bem mais expressivo e exagerado do que o naturalismo encontrado atualmente, principalmente inspirados em Stanislavski e no método proposto pelo Actors Studio. Ainda assim, ao assistí-lo hoje, o estranhamento torna a fruição menos rica.
Isso não impede, no entanto, de admirar o trabalho de John Ford, cada sequência, cada cena tem uma construção plástica muito bem resolvida, que se encaixam perfeitamente com o clima da história. As cenas que precedem o ataque ao acampamento dos comanches é tensa, bem dosada, criando uma expectativa entre aqueles que esperam e os que serão surpreendidos, ainda que seja possível perceber o que são tomadas externas ou estúdio e uma pequena falha de continuísmo. As cenas de luta, apesar de datadas com o ritmo da época, envolvem, principalmente as de perseguição a cavalo, com trocas de tiros e flechas.
Rastros de Ódio é daqueles filmes-símbolos. Ícone de uma geração, sendo considerado um marco cinematográfico, sendo apontada pela New York Magazine como o filme mais influente de todos os tempos. Ele foi uma das inspirações de Quentin Tarantino para começar Bastardos Inglórios e já foi citado por Steven Spielberg como "O" filme americano. Daqueles filmes que é sempre bom rever.
Rastros de Ódio (The Searchers: 1956 / EUA)
Direção: John Ford
Roteiro: Frank S. Nugent
Com: John Wayne, Vera Miles, Natalie Wood, John Qualen, Jeffrey Hunter, Olive Carey.
Duração: 119 min.
Ethan Edwards é um homem cansado, que volta ao rancho de sua família após três anos sem dar notícias. As crianças os recebem com alegria, o irmão com desconfiança, a cunhada com um certo constrangimento. A autoridade local só quer saber por onde ele esteve depois do fim da Guerra de Secessão. Ele pouco fala. Aliás, boa parte das mensagens de Rastros de Ódio está no não-dito. Tudo parece bem quando um grupo de índios comanches invade a casa, matando a todos, menos a pequena Debby, que é levada como refém. Um grupo de homens segue o rastro dos "selvagens" na tentativa de encontrá-la. Mas, a busca parece em vão. Apenas Edwards e o mestiço Martin Pawley, que foi criado pela família como filho, continuam anos a fio na caça que esperam ser um dia vitoriosa.
A apresentação de Ethan Edwards é emblemática. Uma porta se abre. O cenário do velho oeste americano, clima bastante árido, um homem e seu cavalo chegando aos poucos, as pessoas observando em expectativa. Interessante perceber que o personagem de John Wayne está sempre à parte da sociedade. Ele começa e termina o filme fora da casa. Passa anos em trânsito procurando a sobrinha. E mesmo nas horas em que se aproxima do grupo, parece um estranho. Há sempre um clima tenso, de rixa, de não-pertencimento. Muito disso, provavelmente tem explicação em um passado que não fica explícito em nenhum momento, como a verdadeira natureza de sua relação com a cunhada, ou o que ficou fazendo no período pós-guerra. É mesmo ele um fora-da-lei?
O racismo explícito desde a primeira cena em que Martin Pawley aparece só vai aumentando a cada cena, a cada gesto. É nítido o ódio que Ethan Edwards tem dos índios. Ele é capaz de violar o túmulo de um deles para atirar em seus olhos e amaldiçoar sua alma, já que eles acreditavam que não era possível chegar ao pouso final sem esses membros. Persegue os peles-vermelhas como se daquilo dependesse sua vida, a ponto de ser capaz de apontar uma arma para a sobrinha que procurou anos a fio, por ela defender a tribo que agora é o seu lar. Edwards não tem escrúpulos, mata pelas costas como ressalta o reverendo em determinada cena. É o anti-herói de quem se espera um desfecho trágico.
Ao mesmo tempo é tão marcante, principalmente pela interpretação de John Wayne. De longe o melhor ator em cena. Ao contrário do ainda garoto Jeffrey Hunter que não consegue acompanhar o parceiro de cena, sendo bastante caricato em alguns momentos, principalmente em seu relacionamento com Vera Miles. É de se levar em conta o modo de interpretação da época, bem mais expressivo e exagerado do que o naturalismo encontrado atualmente, principalmente inspirados em Stanislavski e no método proposto pelo Actors Studio. Ainda assim, ao assistí-lo hoje, o estranhamento torna a fruição menos rica.
Isso não impede, no entanto, de admirar o trabalho de John Ford, cada sequência, cada cena tem uma construção plástica muito bem resolvida, que se encaixam perfeitamente com o clima da história. As cenas que precedem o ataque ao acampamento dos comanches é tensa, bem dosada, criando uma expectativa entre aqueles que esperam e os que serão surpreendidos, ainda que seja possível perceber o que são tomadas externas ou estúdio e uma pequena falha de continuísmo. As cenas de luta, apesar de datadas com o ritmo da época, envolvem, principalmente as de perseguição a cavalo, com trocas de tiros e flechas.
Rastros de Ódio é daqueles filmes-símbolos. Ícone de uma geração, sendo considerado um marco cinematográfico, sendo apontada pela New York Magazine como o filme mais influente de todos os tempos. Ele foi uma das inspirações de Quentin Tarantino para começar Bastardos Inglórios e já foi citado por Steven Spielberg como "O" filme americano. Daqueles filmes que é sempre bom rever.
Rastros de Ódio (The Searchers: 1956 / EUA)
Direção: John Ford
Roteiro: Frank S. Nugent
Com: John Wayne, Vera Miles, Natalie Wood, John Qualen, Jeffrey Hunter, Olive Carey.
Duração: 119 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Rastros de Ódio
2011-10-24T09:25:00-02:00
Amanda Aouad
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