Guerreiro
Não se iludam, apesar de falar sobre MMA, torneios e competições diversas, Guerreiro é um melodrama. Sua base está na construção emocional do drama de uma família atípica, um pai alcóolatra, um filho desertor de guerra ainda que um herói e outro filho considerado fracassado que vive pacatamente como um professor de Física. E, claro, os três são quase inimigos por causa das dores de acontecimentos passados. É assim que começa o filme e é assim que vamos sendo conduzidos ao ringue onde a catarse maior será feita. Não sabemos exatamente quem vencerá o confronto, mas uma coisa é certa, todos sairão machucados.
O filme é feliz ao não nos fazer tomar partido facilmente por um dos filhos. Tommy e Brendan são dois personagens complexos, com prós e contras, qualidades e defeitos. Mesmo construindo Tommy como um brutamontes sem alma na jaula, somos levados a conhecer sua dor de perder um amigo e se manter fiel à viúva, sua capacidade de se transformar em herói mesmo quando desertou, sua dor pela perda da mãe e mágoa pelo irmão não o ter acompanhado. Assim como, apesar de vermos Brendan como um pai de família dedicado, um marido amoroso e um ótimo professor de Física, também o acompanhamos como um ser um tanto covarde por ter abandonado seus sonhos e egoísta por ter deixado irmão e mãe a mercê da sorte. Há uma espécie de dor por ser sempre o segundo na escolha do pai também, ainda que o ache um alcóolatra sem recuperação. Mais interessante ainda é como o filme vai nos levando nesse ping pong até o confronto final e como consegue resolvê-lo, nos emocionando e deixando um gosto amargo.
Porém, ao mesmo tempo, o diretor Gavin O'Connor e os roteiristas pesam a mão no drama piegas. Um bom melodrama não precisa apelar tanto. É muito sofrimento para uma família só, muitas coincidências que os levam a situação em que se encontram, muita mágoa e dor em pessoas tão próximas. E, claro, tudo isso em uma construção crescente para transformar a luta no torneio uma questão de vida ou morte. Frases como a do treinador de Brendan dizendo "se você desistir agora ficará sem um lar" são extremamente apelativas. Temos ali um pai dividido, ainda que treinando seu filho caçula. Um homem que perdeu tudo e só quer dar um pouco de dignidade à viúva de um amigo morto. E um pai de família que precisa manter sua casa. A luta fica mesmo em segundo plano.
Agora, mesmo em segundo plano, Gavin O'Connor é bastante esperto em explorar a sensação do momento: o MMA. Não há como negar que a construção é bem feita. As lutas soam reais, empolgam, deixam o espectador preso na frente da tela. Há golpes, momentos impactantes, construção de adrenalina e emoção, tudo em uma dose bem balanceada. Aliás, o filme melhora muito quando passa a fase de apresentação dos dramas e se concentra no torneio em si. A montagem fica mais flúida, as elipses entre uma luta e outra, os momentos dentro do octógono, tudo fica mais harmônico. Assim como os efeitos especiais para cada soco, chute ou chave de braço. Tudo isso é muito realista.
Outros pontos positivos em Guerreiro são as atuações. Tom Hardy, que está sendo mais esperado por seu papel em Batman esse ano, está bem como Tommy. Passa toda a dor e explosão daquele personagem e nos emociona em sua trajetória. Joel Edgerton também defende bem seu Brendan, não está tão visceral quanto em Reino Animal, mas ainda assim nos convence do drama de seu personagem, sua coragem, sua obstinação. Mas, quem rouba a cena é mesmo Nick Nolte, quase rejeitado para o papel pelos produtores, o ator entrega sua alma ao personagem do pai Paddy Conlon. Sua expressão corporal, a força do olhar, a emoção passada em cada cena difícil, impressionam. É mesmo um excelente trabalho do ator que foi indicado ao Oscar de coadjuvante.
Mas, ainda assim, parece que falta algo a Guerreiro. É um filme dividido, que explora muito bem a construção da luta, mas que demora muito a chegar até ela, trabalhando e explorando excessivamente o drama familiar que acaba cansando muitos espectadores. Força a barra para gerar emoção. Quando se concentra no que deveria ser o tema do filme, no entanto, consegue empolgar e mesmo emocionar, deixando uma boa sensação ao final da sessão. Talvez por isso, a gente fique sem entender o porquê de ter sido lançado diretamente em DVD no Brasil. Mas, realmente, é um filme bastante irregular.
Guerreiro (Warrior: 2011 / EUA)
Direção: Gavin O'Connor
Roteiro: Anthony Tambakis, Gavin O'Connor e Cliff Dorfman
Com: Joel Edgerton, Tom Hardy, Nick Nolte, Jennifer Morrison.
Duração: 140 min
O filme é feliz ao não nos fazer tomar partido facilmente por um dos filhos. Tommy e Brendan são dois personagens complexos, com prós e contras, qualidades e defeitos. Mesmo construindo Tommy como um brutamontes sem alma na jaula, somos levados a conhecer sua dor de perder um amigo e se manter fiel à viúva, sua capacidade de se transformar em herói mesmo quando desertou, sua dor pela perda da mãe e mágoa pelo irmão não o ter acompanhado. Assim como, apesar de vermos Brendan como um pai de família dedicado, um marido amoroso e um ótimo professor de Física, também o acompanhamos como um ser um tanto covarde por ter abandonado seus sonhos e egoísta por ter deixado irmão e mãe a mercê da sorte. Há uma espécie de dor por ser sempre o segundo na escolha do pai também, ainda que o ache um alcóolatra sem recuperação. Mais interessante ainda é como o filme vai nos levando nesse ping pong até o confronto final e como consegue resolvê-lo, nos emocionando e deixando um gosto amargo.
Porém, ao mesmo tempo, o diretor Gavin O'Connor e os roteiristas pesam a mão no drama piegas. Um bom melodrama não precisa apelar tanto. É muito sofrimento para uma família só, muitas coincidências que os levam a situação em que se encontram, muita mágoa e dor em pessoas tão próximas. E, claro, tudo isso em uma construção crescente para transformar a luta no torneio uma questão de vida ou morte. Frases como a do treinador de Brendan dizendo "se você desistir agora ficará sem um lar" são extremamente apelativas. Temos ali um pai dividido, ainda que treinando seu filho caçula. Um homem que perdeu tudo e só quer dar um pouco de dignidade à viúva de um amigo morto. E um pai de família que precisa manter sua casa. A luta fica mesmo em segundo plano.
Agora, mesmo em segundo plano, Gavin O'Connor é bastante esperto em explorar a sensação do momento: o MMA. Não há como negar que a construção é bem feita. As lutas soam reais, empolgam, deixam o espectador preso na frente da tela. Há golpes, momentos impactantes, construção de adrenalina e emoção, tudo em uma dose bem balanceada. Aliás, o filme melhora muito quando passa a fase de apresentação dos dramas e se concentra no torneio em si. A montagem fica mais flúida, as elipses entre uma luta e outra, os momentos dentro do octógono, tudo fica mais harmônico. Assim como os efeitos especiais para cada soco, chute ou chave de braço. Tudo isso é muito realista.
Outros pontos positivos em Guerreiro são as atuações. Tom Hardy, que está sendo mais esperado por seu papel em Batman esse ano, está bem como Tommy. Passa toda a dor e explosão daquele personagem e nos emociona em sua trajetória. Joel Edgerton também defende bem seu Brendan, não está tão visceral quanto em Reino Animal, mas ainda assim nos convence do drama de seu personagem, sua coragem, sua obstinação. Mas, quem rouba a cena é mesmo Nick Nolte, quase rejeitado para o papel pelos produtores, o ator entrega sua alma ao personagem do pai Paddy Conlon. Sua expressão corporal, a força do olhar, a emoção passada em cada cena difícil, impressionam. É mesmo um excelente trabalho do ator que foi indicado ao Oscar de coadjuvante.
Mas, ainda assim, parece que falta algo a Guerreiro. É um filme dividido, que explora muito bem a construção da luta, mas que demora muito a chegar até ela, trabalhando e explorando excessivamente o drama familiar que acaba cansando muitos espectadores. Força a barra para gerar emoção. Quando se concentra no que deveria ser o tema do filme, no entanto, consegue empolgar e mesmo emocionar, deixando uma boa sensação ao final da sessão. Talvez por isso, a gente fique sem entender o porquê de ter sido lançado diretamente em DVD no Brasil. Mas, realmente, é um filme bastante irregular.
Guerreiro (Warrior: 2011 / EUA)
Direção: Gavin O'Connor
Roteiro: Anthony Tambakis, Gavin O'Connor e Cliff Dorfman
Com: Joel Edgerton, Tom Hardy, Nick Nolte, Jennifer Morrison.
Duração: 140 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Guerreiro
2012-02-22T08:27:00-02:00
Amanda Aouad
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