A Guerra Fria é mesmo um marco na história mundial, sendo retratada no cinema em diversos momentos e estilos. Mesmo hoje, filmes sobre espionagem acabam caindo no argumento fácil de russos contra americanos. O Espião Que Sabia Demais nos traz um grande frescor nesse cenário. Primeiro, não são os americanos, e sim, os ingleses que acompanhamos. Depois não há correria, não há pressa, nem mesmo uma trama mastigada para justificar ação. Temos aqui um belo e verdadeiro jogo de xadrez como se fazia antigamente.Em 1973, o Circus, serviço secreto inglês, passa por um momento delicado. Há uma suspeita de um espião duplo infiltrado ali, e cabe ao aposentado George Smiley descobrir quem estaria por trás disso. A única pista é que o suspeito é do alto escalão do conselho e ele só pode contar com o apoio de cumplicidade de uns poucos agentes. Mas, o roteiro de Bridget O'Connor e Peter Straughan, que é baseado no livro de John le Carré não se contenta em seguir essa linearidade simples. Há uma costura completa entre algumas fases do Circus, incluindo uma festa de Natal com momentos reveladores.
Nessa rede, vamos nos deixando levar, sendo necessário observar cada detalhe e pista que o filme vai nos passando aos poucos. Não é fácil, mas é extremamente gratificante toda a teia de intriga que vai sendo destrinchada em nossa mente. Algumas mais rápidas, outras que precisamos acompanhar todo o processo fílmico, mas que no final apresenta um resultado bastante satisfatório. Principalmente pela paciência de Tomas Alfredson de não acelerar o passo em nenhum momento, confirmando o talento que o mundo passou a admirar em 2008 com o excelente Deixe Ela Entrar. A direção é firme, e parece construída mesmo em outra época. A construção das elipses, a mistura de épocas, a investigação toda feita em um clima de tensão psicológica como um bom jogo de xadrez, tudo vai na contramão do frenético jogo de explosões e efeitos visuais da atualidade. Isso sem falar nas sutis referências ao mestre do suspense como a famosa cena de Intriga Internacional com o avião, ou a janela indiscreta que aproxima personagens, por exemplo. Isso sem falar na excepcional sequência final, ao som da clássica música francesa La Mer na voz do espanhol Julio Iglesias que dá um toque especial ao clima.
O elenco também merece destaque. Repleto de nomes como Colin Firth, Mark Strong, Benedict Cumberbatch, Tom Hardy, John Hurt, Toby Jones e Ciarán Hinds, o texto flui de maneira mais suave, tendo muita informação passada com simples gestos ou olhares. Mas, o destaque é mesmo Gary Oldman no papel de George Smiley. O Espião nos passa sentimentos controversos e tensão em cada momento que está em tela, principalmente em seu monólogo olhando diretamente para câmera, quando relembra seu encontro com Karla. É forte, denso e totalmente convincente. Incomum, incômodo, envolvente e principalmente inteligente. Esses são os adjetivos que podem dar a O Espião Que Sabia Demais. Pois não é daqueles filmes que vemos por aí todos os dias, traz um tema que pode parecer ultrapassado, mas que acaba falando de muita coisa atual como a própria essência da lealdade, seu roteiro vai nos conduzindo e nos deixando cada vez mais interessados naquela investigação que, claro, exige atenção e raciocínio de quem assiste. De fato, um filme como poucos atualmente.
O Espião que sabia demais (Tinker Tailor Soldier Spy: 2011 /França, Alemanha, Reino Unido)
Direção: Tomas Alfredson
Roteiro: Bridget O\'Connor e Peter Straughan
Com: Gary Oldman, Colin Firth, Mark Strong, Benedict Cumberbatch, Tom Hardy, John Hurt, Toby Jones e Ciarán Hinds
Duração: 127 min.

