Julie Andrews muito além de Mary Poppins
Aproveitando as notícias sobre a produção do filme "Saving Mr. Banks", sobre os bastidores da negociação de Walt Disney para conseguir produzir o filme Mary Poppins, resolvi resgatar aqui a atriz Julie Andrews. Para a nova geração, ela talvez seja apenas uma vaga lembrança, a avó rainha que tenta ensinar boas maneiras a Anne Hathaway em O Diário da Princesa.
Na verdade, acredito que essa seja uma das atrizes mais injustiçadas pelos estereótipos. E tem apenas três grandes papéis memoráveis pelo senso comum: a própria Mary Poppins, que lhe deu o Oscar, Maria de A Noviça Rebelde e Victoria Grant de Victor ou Victoria. Eu particularmente acrescentaria um grande papel de um bom filme que já está quase perdido em minha memória: Sede de Amar. Muitos, inclusive, afirmam que apenas aí, ela provou que não era apenas uma cantora que atuava, o que é uma grande injustiça e para explicar melhor os fatos vamos começar pelo início.
Julie Andrews era uma atriz da Broadway, admirada principalmente por sua bela voz. Fazia sucesso com inúmeros musicais, entre eles My Fair Lady. Resolveram produzir o filme, mas, para os padrões de Hollywood, a atriz não era estrela o suficiente para o papel que foi muito bem interpretado por Audrey Hepburn. Só que a eterna Bonequinha de Luxo precisou de uma dubladora, principalmente para as músicas mais difíceis que exigiam um agudo de soprano. Muita confusão e críticas surgiram.
Conta-se a história de que Julie Andrews só conseguiu o papel no filme da Disney por causa dessa questão. E mais do que isso, que o Oscar que ela levou por Mary Poppins seria uma espécie de compensação por não ter sido escolhida para My Fair Lady. Esse boato era tão forte que nas tradicionais entrevistas pós Oscar uma repórter perguntou isso a Andrews que em um misto de vergonha, surpresa e sinceridade respondeu: "Eu espero que não".
Um ano depois veio A Noviça Rebelde e a crítica começou a bombardear que a atriz só fazia o mesmo papel e que só tinha o talento de cantar, não interpretar. Aí começa o meu questionamento. Tudo bem que Mary Poppins e Maria são duas personagens aparentemente parecidas. Ambas são governantas que vão trabalhar para um viúvo com filhos difíceis e tem que "colocar ordem na casa". Mas, na essência, são duas personagens completamente diferentes e com interpretações igualmente díspares.
Mary Poppins é uma bruxa, um ser mágico que desce do céu com seu guarda-chuvas. É uma mulher refinada, com modos comedidos, uma verdadeira lady. Distante emocionalmente, tem em sua frente apenas uma missão a ser cumprida. A interpretação de Andrews é condizente com isso. A postura corporal, o tom de voz, as expressões, tudo nos faz crer naquela personalidade exótica.
Já Maria é uma moleca transvestida de noviça. Uma criança grande, ingênua, simples, alegre, estabanada e facilmente emotiva. Seu espírito é livre e acredita nos atos simples. A interpretação de Andrews aqui também é condizente, não temos resquícios de Mary Poppins. Suas roupas são desarrumadas, suas postura corporal é solta, sem poses ou treinamentos. Seu jeito de se portar assusta. Ela só anda correndo. Ou seja, é outra mulher completamente diferente.
Já Victoria Grant não precisa de muitas defesas. Ela é uma mulher que se finge de homem se fingindo de mulher. Só o desafio já é complexo. Como construir uma soprano desempregada que bola um plano maluco onde tem que interpretar um homem que é transformista? Julie Andrews consegue diferenciar muito bem as três personalidades em sua interpretação. A verdadeira Victoria, mais solta. O Victor, um homem contido. E seu personagem, a transformista que é uma diva. Tanto que ganhou o Globo de Ouro por este papel, ou seriam papéis?
Por fim, tenho que falar de Sede de Amar, um filme onde a música está presente, mas Julie Andrews não abre a boca para emitir uma nota. Ela é Stephanie Anderson, uma violinista que tem esclerose múltipla. O drama construído a partir da perda da sensibilidade das mãos e da incapacidade de tocar o violino novamente é gradual e muito bem interpretada. Uma visão que emociona e que demonstra que a atriz sempre teve capacidade para muito mais do que lhe foi oferecido.
Acredito que até por isso, Julie Andrews tenha preferido a Broadway à Hollywood. Lá ela sempre foi estrela maior e atuou até até quando suas cordas vocais permitiram. No cinema, além dessas bobagens de O Diário da Princesa, ela ainda faz muitas dublagens, a última foi em Meu Malvado Favorito. Por essas e por outras, esse post é uma homenagem a, sim, uma grande atriz.
Na verdade, acredito que essa seja uma das atrizes mais injustiçadas pelos estereótipos. E tem apenas três grandes papéis memoráveis pelo senso comum: a própria Mary Poppins, que lhe deu o Oscar, Maria de A Noviça Rebelde e Victoria Grant de Victor ou Victoria. Eu particularmente acrescentaria um grande papel de um bom filme que já está quase perdido em minha memória: Sede de Amar. Muitos, inclusive, afirmam que apenas aí, ela provou que não era apenas uma cantora que atuava, o que é uma grande injustiça e para explicar melhor os fatos vamos começar pelo início.
Julie Andrews era uma atriz da Broadway, admirada principalmente por sua bela voz. Fazia sucesso com inúmeros musicais, entre eles My Fair Lady. Resolveram produzir o filme, mas, para os padrões de Hollywood, a atriz não era estrela o suficiente para o papel que foi muito bem interpretado por Audrey Hepburn. Só que a eterna Bonequinha de Luxo precisou de uma dubladora, principalmente para as músicas mais difíceis que exigiam um agudo de soprano. Muita confusão e críticas surgiram.
Conta-se a história de que Julie Andrews só conseguiu o papel no filme da Disney por causa dessa questão. E mais do que isso, que o Oscar que ela levou por Mary Poppins seria uma espécie de compensação por não ter sido escolhida para My Fair Lady. Esse boato era tão forte que nas tradicionais entrevistas pós Oscar uma repórter perguntou isso a Andrews que em um misto de vergonha, surpresa e sinceridade respondeu: "Eu espero que não".
Um ano depois veio A Noviça Rebelde e a crítica começou a bombardear que a atriz só fazia o mesmo papel e que só tinha o talento de cantar, não interpretar. Aí começa o meu questionamento. Tudo bem que Mary Poppins e Maria são duas personagens aparentemente parecidas. Ambas são governantas que vão trabalhar para um viúvo com filhos difíceis e tem que "colocar ordem na casa". Mas, na essência, são duas personagens completamente diferentes e com interpretações igualmente díspares.
Mary Poppins é uma bruxa, um ser mágico que desce do céu com seu guarda-chuvas. É uma mulher refinada, com modos comedidos, uma verdadeira lady. Distante emocionalmente, tem em sua frente apenas uma missão a ser cumprida. A interpretação de Andrews é condizente com isso. A postura corporal, o tom de voz, as expressões, tudo nos faz crer naquela personalidade exótica.
Já Maria é uma moleca transvestida de noviça. Uma criança grande, ingênua, simples, alegre, estabanada e facilmente emotiva. Seu espírito é livre e acredita nos atos simples. A interpretação de Andrews aqui também é condizente, não temos resquícios de Mary Poppins. Suas roupas são desarrumadas, suas postura corporal é solta, sem poses ou treinamentos. Seu jeito de se portar assusta. Ela só anda correndo. Ou seja, é outra mulher completamente diferente.
Já Victoria Grant não precisa de muitas defesas. Ela é uma mulher que se finge de homem se fingindo de mulher. Só o desafio já é complexo. Como construir uma soprano desempregada que bola um plano maluco onde tem que interpretar um homem que é transformista? Julie Andrews consegue diferenciar muito bem as três personalidades em sua interpretação. A verdadeira Victoria, mais solta. O Victor, um homem contido. E seu personagem, a transformista que é uma diva. Tanto que ganhou o Globo de Ouro por este papel, ou seriam papéis?
Por fim, tenho que falar de Sede de Amar, um filme onde a música está presente, mas Julie Andrews não abre a boca para emitir uma nota. Ela é Stephanie Anderson, uma violinista que tem esclerose múltipla. O drama construído a partir da perda da sensibilidade das mãos e da incapacidade de tocar o violino novamente é gradual e muito bem interpretada. Uma visão que emociona e que demonstra que a atriz sempre teve capacidade para muito mais do que lhe foi oferecido.
Acredito que até por isso, Julie Andrews tenha preferido a Broadway à Hollywood. Lá ela sempre foi estrela maior e atuou até até quando suas cordas vocais permitiram. No cinema, além dessas bobagens de O Diário da Princesa, ela ainda faz muitas dublagens, a última foi em Meu Malvado Favorito. Por essas e por outras, esse post é uma homenagem a, sim, uma grande atriz.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Julie Andrews muito além de Mary Poppins
2012-05-06T09:00:00-03:00
Amanda Aouad
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