
Central do Brasil é um melodrama muito bem construído sobre uma amizade improvável e a busca por sua origem. Um road movie, filme estrada, onde Dora, uma mulher amargurada pela vida, vê-se em uma aventura inusitada pelo Brasil. Ela tem que ajudar Josué a encontrar seu pai. Ele que acaba de ver sua mãe morrer em plena Central do Brasil, principal estação do Rio de Janeiro e que só tem essa busca como esperança de continuidade de vida.

Mais uma vez alerto para os spoilers no texto. A partir daqui irei analisar a cena escolhida, que é a última cena do filme. Se não viu o filme ainda e não quiser estragar a surpresa, não continue lendo.
E, por isso, o final do filme é tão marcante e bem desenvolvido. Algo que o filme de Breno Silveira não conseguiu fazer tão bem em À Beira do Caminho. Dora e Josué não conseguem encontrar o pai do menino, mas encontram dois irmãos do garoto. Toda a situação é bem construída, até a carta que eles têm guardada para a mãe de Josué.

Tudo é feito sem pressa, priorizando os detalhes. A cena dentro da casa é toda na penumbra, com Dora se aproximando de uma imagem de uma santa. Acende a vela, arruma a carta que o pai tinha escrito para a mãe de Josué. Tira da bolsa a carta que a mãe tinha escrito para o pai de Josué. O símbolo das duas cartas unidas ali no altar é uma espécie de símbolo de que o casal de alguma forma se reencontrou. Tanto que a cena anterior mostra os três irmãos dormindo juntos.
Dora é a intrusa ali. Ela sai de casa e a música começa a tocar. Está amanhecendo, o céu em uma cor especial com a música tocando dão uma melancolia própria das despedidas. A câmera pára na porta da casa e vemos Dora se afastando. O nosso olhar fica, como se estivéssemos na posição de Josué nos despedindo daquela mulher.

É quando Dora começa a escrever a carta de despedida para Josué explicando sua decisão. Nesse momento temos a licença poética de, com a montagem, parecer que Josué está ouvindo o que Dora diz, já que suas reações são condizentes com as palavras da mulher. Pois, enquanto Dora fala sobre ser melhor Josué ficar com os irmãos e contar sobre sua relação com o pai antes dele ir embora. Josué pára de correr, começando a se conformar com a despedida forçada.

Volta para os dois emocionados, na certeza de que a plateia está emocionada junta, completamente identificada e sensibilizada com aquele momento. Um final melancólico, é verdade, mas ao mesmo tempo emocionante e esperançoso de que ambos tiveram uma vivência incrível, única. Ambos amadureceram, cresceram e se tornaram pessoas melhores. E que mesmo que separadas fisicamente, em um lugar escondido no coração de cada um, estão juntos, de mãos dadas, como na fotinha do aparelho da quermesse.