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Hermila Guedes
João Miguel
Marcelo Gomes
Era uma vez eu, Verônica
Era uma vez eu, Verônica
Belíssimos filmes sobre o nada já foram feitos. Quando digo nada, falo da ausência do padrão clássico da narrativa de que tudo estava bem até que algo acontece e dá início a alguma jornada interior ou exterior de um ou mais personagens. Filmes sobre sensações, dramas existenciais, personagens e Marcelo Gomes sabe bem como lidar com isso, mas parece que algo fica faltando em Era uma vez eu, Verônica, apesar de ser um dos vencedores do Festival de Brasília desse ano de 2012.
Verônica é uma mulher comum que mora em Recife, acaba de se formar em medicina, começa uma residência psiquiátrica em um hospital público, mora com o pai e tem um flerte com Gustavo, personagem de João Miguel. As vezes sai com as amigas para a balada e não parece ter muitos pudores em relação a bebidas, drogas e sexo. Mas, algo parece lhe faltar. Ela fala em alguns momentos de sua incapacidade de amar, por exemplo, mas isso é apenas uma das abstrações de sua apatia constante diante da vida.
Essa apatia demonstra-se na prova final na faculdade, nas consultas com os pacientes no hospital, na forma como se entrega à bebida na noite e no vazio após o sexo com Gustavo. É interessante que possamos ver e sentir esse vazio, mais do que ouvir, ainda que ela use seu gravador para narrar seu caso como se estivesse analisando mais uma paciente. Mas, ao mesmo tempo em que vemos, não compreendemos. Não é possível criar uma empatia com Verônica a ponto de entendê-la e isso quebra uma certa mania do cinema. Somos apenas observadores também apáticos, sem muita emoção. Aquilo tudo na tela pouco nos importa, ainda que essa depressão do século seja mais comum do que imaginamos.
A velocidade com que a tecnologia cresce ao nosso redor, o consumismo cada vez mais desenfreado, o script que seguimos de crescer, escolher uma profissão e trabalhar sem ao menos pensar no que nos satisfaz. Tudo isso tem criado sociedades apáticas. Os sonhos nos deixaram há muito tempo. Vivemos em ilusão e mais preocupados em ter do que ser. Faltam objetivos para a vida, faltam ideologias. Somos quase robôs programados a dormir e acordar todos os dias sem parar para pensar no que queremos.
Assim é Verônica. Ela formou em medicina quase sem saber se era sua vocação, em determinado momento ela chega a dizer que talvez quisesse ser cantora. E a amiga pergunta: e você canta? Nada parece mesmo ter muito sentido para ela. E apesar de tudo, escolhe a psiquiatria para se especializar. Ouvir casos e problemas tão concretos de seres humanos sofridos, pobres e com doenças mentais diversas acaba sendo um contraste ainda mais duro para essa mulher sem rumo. Afinal, ela parece ter tudo e sente não ter nada.
Nem mesmo a doença do pai e o medo da morte parecem sacudir sua vida de uma maneira mais concreta. Verônica está sempre em sua quase letargia, observando a vida passar. Não por acaso, em seus sonhos, o sexo é o refúgio perfeito. As cenas na praia, o mar, o prazer sem culpa e sem preocupações maiores. Talvez ela quisesse viver assim, sem precisar dar satisfações a uma sociedade que também não entende. Mas, Marcelo Gomes acaba não conseguindo traduzir tão bem toda essa questão em imagens, arrastando a narrativa em uma angústia intensa que acaba tornando personagem e filme cansativos.
Só não é mais cansativo porque Hermila Guedes se entrega de corpo e alma ao drama, construindo uma interpretação admirável, que nos faz perceber as nuanças da angústia, do vazio, do nada que aquela personagem vive. Uma atriz menos intensa poderia tornar toda a investida em uma construção desastrosa, sem sentido, sem rumo, sem o menor interesse.
No entanto, há outro ponto a se destacar na trama que é a forma como a música nos ajuda na condução de tudo aquilo. Boas escolhas trazem conforto, ironia ou ampliam a divagação, como na cena da boate onde ouvimos "Mira Ira", a letra "Tá tudo padronizado no nosso coração. Nosso jeito de amar pelo jeito não é nosso não" diz muito sobre a personagem Verônica e o que ela sente. Outra cena a se destacar é após uma complicação na doença do pai, quando ela dorme na casa de Gustavo e ele a observa ao som de "O que me importa".
Era uma vez eu, Verônica acaba sendo um filme bom, mas que poderia ser muito melhor. Uma angústia sem muita razão de ser, sem empatia, mas que chama a atenção pelo tema e pela interpretação de sua protagonista.
Era uma vez eu, Verônica (Era uma vez eu, Verônica, 2012 / Brasil)
Direção: Marcelo Gomes
Roteiro: Marcelo Gomes
Com: Hermila Guedes, João Miguel, W. J. Solha, Renata Roberta, Inaê Veríssimo
Duração: 90 min.
Verônica é uma mulher comum que mora em Recife, acaba de se formar em medicina, começa uma residência psiquiátrica em um hospital público, mora com o pai e tem um flerte com Gustavo, personagem de João Miguel. As vezes sai com as amigas para a balada e não parece ter muitos pudores em relação a bebidas, drogas e sexo. Mas, algo parece lhe faltar. Ela fala em alguns momentos de sua incapacidade de amar, por exemplo, mas isso é apenas uma das abstrações de sua apatia constante diante da vida.
Essa apatia demonstra-se na prova final na faculdade, nas consultas com os pacientes no hospital, na forma como se entrega à bebida na noite e no vazio após o sexo com Gustavo. É interessante que possamos ver e sentir esse vazio, mais do que ouvir, ainda que ela use seu gravador para narrar seu caso como se estivesse analisando mais uma paciente. Mas, ao mesmo tempo em que vemos, não compreendemos. Não é possível criar uma empatia com Verônica a ponto de entendê-la e isso quebra uma certa mania do cinema. Somos apenas observadores também apáticos, sem muita emoção. Aquilo tudo na tela pouco nos importa, ainda que essa depressão do século seja mais comum do que imaginamos.
A velocidade com que a tecnologia cresce ao nosso redor, o consumismo cada vez mais desenfreado, o script que seguimos de crescer, escolher uma profissão e trabalhar sem ao menos pensar no que nos satisfaz. Tudo isso tem criado sociedades apáticas. Os sonhos nos deixaram há muito tempo. Vivemos em ilusão e mais preocupados em ter do que ser. Faltam objetivos para a vida, faltam ideologias. Somos quase robôs programados a dormir e acordar todos os dias sem parar para pensar no que queremos.
Assim é Verônica. Ela formou em medicina quase sem saber se era sua vocação, em determinado momento ela chega a dizer que talvez quisesse ser cantora. E a amiga pergunta: e você canta? Nada parece mesmo ter muito sentido para ela. E apesar de tudo, escolhe a psiquiatria para se especializar. Ouvir casos e problemas tão concretos de seres humanos sofridos, pobres e com doenças mentais diversas acaba sendo um contraste ainda mais duro para essa mulher sem rumo. Afinal, ela parece ter tudo e sente não ter nada.
Nem mesmo a doença do pai e o medo da morte parecem sacudir sua vida de uma maneira mais concreta. Verônica está sempre em sua quase letargia, observando a vida passar. Não por acaso, em seus sonhos, o sexo é o refúgio perfeito. As cenas na praia, o mar, o prazer sem culpa e sem preocupações maiores. Talvez ela quisesse viver assim, sem precisar dar satisfações a uma sociedade que também não entende. Mas, Marcelo Gomes acaba não conseguindo traduzir tão bem toda essa questão em imagens, arrastando a narrativa em uma angústia intensa que acaba tornando personagem e filme cansativos.
Só não é mais cansativo porque Hermila Guedes se entrega de corpo e alma ao drama, construindo uma interpretação admirável, que nos faz perceber as nuanças da angústia, do vazio, do nada que aquela personagem vive. Uma atriz menos intensa poderia tornar toda a investida em uma construção desastrosa, sem sentido, sem rumo, sem o menor interesse.
No entanto, há outro ponto a se destacar na trama que é a forma como a música nos ajuda na condução de tudo aquilo. Boas escolhas trazem conforto, ironia ou ampliam a divagação, como na cena da boate onde ouvimos "Mira Ira", a letra "Tá tudo padronizado no nosso coração. Nosso jeito de amar pelo jeito não é nosso não" diz muito sobre a personagem Verônica e o que ela sente. Outra cena a se destacar é após uma complicação na doença do pai, quando ela dorme na casa de Gustavo e ele a observa ao som de "O que me importa".
Era uma vez eu, Verônica acaba sendo um filme bom, mas que poderia ser muito melhor. Uma angústia sem muita razão de ser, sem empatia, mas que chama a atenção pelo tema e pela interpretação de sua protagonista.
Era uma vez eu, Verônica (Era uma vez eu, Verônica, 2012 / Brasil)
Direção: Marcelo Gomes
Roteiro: Marcelo Gomes
Com: Hermila Guedes, João Miguel, W. J. Solha, Renata Roberta, Inaê Veríssimo
Duração: 90 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Era uma vez eu, Verônica
2012-12-08T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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