Aproveitando o lançamento de Django Livre e o Globo de Ouro de melhor roteiro para Tarantino, vamos relembrar seu filme mais marcante. Pulp Fiction, que no Brasil ganhou o subtítulo Tempo de Violência, não apenas lançou Quentin Tarantino ao estrelato, como lhe deu até hoje seu único Oscar por melhor roteiro.A princípio pensei em fazer um post de Grandes Cenas, mas analisando o filme, como escolher uma única cena de Pulp Fiction? É impressionante a quantidade de cenas que ficaram marcantes nesse filme, principalmente na primeira hora dele. Já começamos com o diálogo do casal no restaurante, passamos para a apresentação dos personagens de John Travolta e Samuel L. Jackson, que culmina na famosa cena da citação de Ezequiel 25:17, temos então, a cena do encontro de Vincent com Mia, a lanchonete retrô, o milk shake de cinco dólares e, claro, a dança. Aí vem a cena da overdose. E para não ficar apenas nesse núcleo, cito ainda a surreal cena da história do relógio do pai de Butch, personagem de Bruce Willis.
Enfim, não por acaso, esse filme virou símbolo cult. Em 1994, o público não esperava algo tão inventivo, com tantos elementos, referências, ironias, brincadeiras, em uma trama que seria um policial dos mais violentos. Ao mesmo tempo que o roteiro é inventivo, é extremamente simples em suas tramas. Olhando em separado, nada demais. Um casal de assaltantes que já vimos aos montes no cinema. Um cara que sai com a esposa do seu patrão mafioso e tem que se comportar, idem. E um boxer que arma um plano em cima de outro plano, também. Na verdade, duas coisas encantam e chamam a atenção no roteiro de Pulp Fiction, a estrutura e os diálogos.
A forma como Tarantino desenrola suas tramas é envolvente, criativo e extremamente hábil. Ele trabalha o tempo inteiro nos intervalos das ações. Por exemplo, não vemos a tal luta que acaba em morte, assim como nunca vimos o assalto em Cães de Aluguel. Não vemos o desfecho do personagem Jules de Samuel L. Jackson, assim como pouco vemos do casal interpretado por Amanda Plummer e Tim Roth. Ele se demora em conversas triviais como os nomes dos hambúrgueres em Paris e no significado de uma massagem no pé, subvertendo manuais de roteiro que afirmam que toda cena tem que fazer a narrativa andar. Fora as ironias tão descaradas como um determinado personagem atravessar a rua em um momento inoportuno que não podemos sequer chamar de Deus Ex-Machina. São detalhes que nos encantam.
E, claro, os diálogos são extremamente bem trabalhados. O discurso de Jules Winnfield sobre Ezequiel 25:17 que é solto quase como fetiche no início e amarra tão bem no final é um exemplo máximo disso. Há lógica em cada palavra largada na trama, inclusive os palavrões. Seja planejando o melhor lugar para um assalto, como no início, discutindo amenidades, como a dupla Travolta e Jackson fazia o tempo todo, ou em seduções perigosas com Uma Thurman, há sempre um molho nas palavras, com camadas subliminares. E o discurso de Christopher Walken para o garotinho Butch traz tanta ironia e situações surreais que não pode deixar de ser lembrado. A estética do filme também se constrói de uma maneira ímpar, unindo enquadramentos com trilha sonora impecável. O tema da abertura já empolga. Destaque ainda para o twist dançado por John Travolta e Uma Thurman, interessante como os dois atores desenvolvem tão bem a coreografia que encanta não exatamente pelo ritmo, ainda que o tenha, mas pela ironia dos olhares, expressões e brincadeiras em tom sério, quase tenso. E claro, Girl, You'll Be A Woman Soon, que Uma Thurman ironicamente dança momentos antes da overdose.
Aliás, a overdose é um dos pontos mais polêmicos do filme. A personagem Mia confunde o saquinho de heroína de Vincent Vega com cocaína, cheia e claro, tem um treco que quase a leva a morte. Todo o desespero de Vincent para não ter a esposa do padrão morta em suas mãos nos da uma sequência angustiante, com uma adrenalina em alta, regada a detalhes que deixou muita gente passando mal. Pulp Fiction tem ainda duas ligações interessantes com o próximo filme do diretor, Kill Bill, não apenas no fato de Mia ser feita por Uma Thurman, a citação de um grupo chamado Fox Force Five, que ela tinha acabado de gravar um piloto e gerou a infame piadinha do tomate. Elas eram agentes secretas, claro, mas não há como não fazer uma ligação com as Deadly Vipers de Kill Bill. Fora a espada de samurai que serve a outro personagem.
Tantas referências, tantas reconstruções, tantos filmes marcantes fizeram mesmo de Pulp Fiction um marco no cinema, que apresentou Quentin Tarantino definitivamente para o mundo, já que Cães de Aluguel não teve a mesma repercussão, gerou uma legião de fãs e tornou o seu nome um dos maiores símbolos da cultura pop. Um grande filme, sem dúvidas.
Pulp Fiction - Tempo de Violência (Pulp Fiction, 1994, EUA)
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Com: John Travolta, Uma Thurman, Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Tim Roth, Amanda Plummer e Eric Stoltz
Duração: 154 min.

