Selecionado para a Mostra Competitiva de Cannes 2010, O Outro Mundo tem acertos e erros, mas o conjunto traz uma obra envolvente e curiosa. O tema não é novidade, suicídio no ciberespaço, assim como a vida em dois mundos. Ainda assim, tem suas peculiaridades.A trama gira em torno de Gaspard, vivido por Grégoire Leprince-Ringuet. Um rapaz normal, que vive com seus amigos e sua namoradinha Marion (Pauline Etienne), mas que ao encontrar um celular em um banheiro público começa uma perseguição perigosa a uma loira sensual. Essa loira possui um segredo que envolve um jogo virtual chamado Black Hole e uma espécie de seita pró-suicídio. E Gaspard acaba se envolvendo mais do que gostaria em tudo aquilo.
O filme já começa com um raccord de imagem interessante. Vemos Sam pulando de um prédio no mundo virtual do Black Hole, e logo depois Gaspard e seus amigos pulando no mar, na vida real. Uma brincadeira de imagem que de certa maneira traduz o mergulho do filmenaqueles universos e no jogo que vamos acompanhar. A figura de Sam, ou melhor de Audrey, interpretada por Louise Bourgoin, chama a atenção desde a sua primeira aparição. Enquanto Sam, sua persona no Black Hole, ela é uma mulher sensual, o estereótipo da femme fatale dos filmes noir. Já na vida, real, Audrey tem uma aura de mistério, uma coisa meio gótica em sua aparição na igreja, com aquelas roupas e capuz. Não é por acaso que Gaspard fica tão fascinado e curioso com aquela figura. E quando a salva da tentativa de suicídio fica ainda mais enfeitiçado, por ter a fita onde ela parece conversar com ele e o convidar para ir à Praia Negra.
A Praia Negra é uma espécie de purgatório onde os jogadores vão sempre que morrem no Black Hole. Há um silêncio, uma paz que induz os jovens a querer ficar ali, aí começa o jogo perigoso do desejo do suicídio. Como se a morte no jogo fosse semelhante à morte na vida real. Sam é uma mulher extremamente sedutora e brinca com os demais jogadores o tempo todo, os levando a qualquer coisa que queira. Já Audrey possui um tom mais frágil, ainda que também sedutor e misterioso. O roteiro de O Outro Mundo, no entanto, acaba sendo pouco explorado. Marion fica esquecida boa parte da trama, sendo que foi quem deu o start em tudo aquilo. Ela foi a primeira a ficar tão curiosa, a responder o telefonema, a perseguir "Dragon", estranho que esqueça tudo tão facilmente. Assim como o mistério e virada na parte final, acabem se tornando óbvios por alguns detalhes. Falta frescor e novidade à história. Tudo é muito deduzível.
Ainda assim há um tom envolvente em tudo aquilo. Uma espécie de Veludo Azul cibernético. Ficamos curiosos com a investigação inicial e ainda mais curiosos com aquela plataforma e o submundo que desperta. Assim como o jogo entre Audrey e o irmão possessivo que a controla de perto, mas parece deixar que a moça brinque naquele universo virtual de uma maneira tão livre.
Por isso, O Outro Mundo acaba sendo um filme instigante. Nos deixa envolvidos durante sua projeção, mesmo que tenha algumas pedras no caminho. Seu ritmo lento, contemplativo, acaba não dialogando tanto com o mundo virtual, talvez por isso, este fique tão em segundo plano, enquanto é fundamental para a história. De qualquer maneira, é uma experiência enriquecedora.
O Outro Mundo (L'autre monde, 2010 / Bélgica)
Direção: Gilles Marchand
Roteiro: Gilles Marchand e Dominik Moll
Com: Grégoire Leprince-Ringuet, Louise Bourgoin, Melvil Poupaud
Duração: 105 min.

