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Janela Indiscreta
Janela Indiscreta
Finalizando a retrospectiva Hitchcock que o Panorama Internacional Coisa de Cinema nos proporcionou em Salvador, falo daquele que considero a obra-prima do diretor. Janela Indiscreta é mais do que um filme de suspense, é uma espécie de metáfora do próprio cinema. E muitos detalhes fazem dele um filme especial.
A começar pelo elenco. O mestre do suspense conseguiu reunir dois dos seus preferidos atores: James Stewart e Grace Kelly. E os dois dão um show à parte em cada aparição. A beleza e presença da futura princesa de Mônaco casa perfeitamente com a personagem Lisa Carol Fremont. Sua primeira aparição, por exemplo, com um vestido de festa e xale é digna de uma estrela.
Janela Indiscreta trabalha com o voyeurismo, o prazer de observar o outro. Preso em seu apartamento por causa de uma perna quebrada, o fotógrafo L.B. Jefferies observa os seus vizinhos de sua janela. A genialidade de Hitchcock é fazer todo o filme do apartamento de Jeff, ou seja, estamos o tempo todo junto com ele, vendo apenas o que ele vê da janela. A imagem só se aproxima se ele utiliza um binóculo ou a lente da câmera. Estamos com ele vendo o filme através de uma janela, o que não deixa de ser uma metalinguagem. Afinal, o que é ver um filme senão observar a vida dos outros através de uma janela?
Neste ponto, a trama central do possível assassinato presenciado por Jeff de sua janela nem é o mais importante. E sim, esta fruição da observação alheia. Há um jogo contínuo que o diretor nos proporciona. Em determinado momento, ele brinca inclusive com os princípios da montagem, ao repetir o Efeito Kuleshov. O ator James Stewart faz uma única expressão neutra, enquanto Hitchcock intercala com diversas cenas nos apartamentos vizinhos. Da mesma forma que o russo utilizou um prato de sopa, uma criança em um caixão e uma mulher no sofá para sua experiência.
Da mesma forma, somos também observadores do próprio drama de Jeff e Lisa. Este improvável casal que parece se amar, ao mesmo tempo em que é tão diferente. Ele, um fotógrafo investigativo, que vive de aventuras pelo mundo. Ela, uma profissional de moda, que vive do que ele considera futilidades. A forma fria como ele a trata muitas vezes, o esforço que ela faz para agradá-lo com as coisas erradas como um jantar servido com lagosta a thermidor, além do desfile de roupas, nos envolve.
E a virada desta trama amorosa está intimamente ligada à virada da trama de simples observação da vida alheia. Quando Jeff acredita ter visto um assassinato no apartamento da frente, é Lisa quem compra a briga e se torna suas pernas na aproximação com o local do crime. Suas atitudes destemidas, a curiosidade também intrínseca a ela, dão a esperança de que o casal não é assim tão diferente.
É curiosa também a forma como a investigação do crime vai sendo feita. Praticamente por suposições, tal qual a plateia de um filme que fica imaginando o que aconteceu, a partir do pouco que o diretor fornece de informação. E enquanto Jeff, Lisa e a enfermeira Stella nos envolvem em suas suposições que levam ao assassinato, o personagem de Wendell Corey, o detetive Doyle, é a voz contrária, criando dúvidas e nos deixando na expectativa da revelação final.
Além do assassinato e da trama do casal principal, Janela Indiscreta ainda nos proporciona pílulas de quadros humanos, como a Coração Solitário, vizinha que quase se suicida. O casal em lua de mel que só vive na cama. A dançarina cercada por homens que não ama, o músico e suas festas. O casal preguiçoso que dorme na sacada e desce o seu cão para passear através de uma cestinha. Cada uma dessas experiências nos traz momentos divertidos e ternos que só enriquecem o filme.
Talvez pela junção dessas pequenas coisas, Janela Indiscreta tenha se tornado o meu Hitchcock preferido. Gosto muito também de Rope (Festim Diabólico), que curiosamente o diretor considera uma grande bobagem de sua carreira. Gosto da forma como ele cria simbologias e efeitos em espaços limitados. O fascínio por Janela Indiscreta é tanto que nunca tive coragem de ver o remake com Christopher Reeve, por exemplo, apesar de ter visto o Psicose de Gus Van Sant, ou a bobagem que foi Um Crime Perfeito (versão de Disque M para Matar). Um filme que vai além do que é visto, construindo significados que, como disse, definem o próprio cinema.
Janela Indiscreta (Rear Window, 1954 / EUA)
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: John Michael Hayes
Com: James Stewart, Grace Kelly, Wendell Corey, Thelma Ritter
Duração: 112 min.
A começar pelo elenco. O mestre do suspense conseguiu reunir dois dos seus preferidos atores: James Stewart e Grace Kelly. E os dois dão um show à parte em cada aparição. A beleza e presença da futura princesa de Mônaco casa perfeitamente com a personagem Lisa Carol Fremont. Sua primeira aparição, por exemplo, com um vestido de festa e xale é digna de uma estrela.
Janela Indiscreta trabalha com o voyeurismo, o prazer de observar o outro. Preso em seu apartamento por causa de uma perna quebrada, o fotógrafo L.B. Jefferies observa os seus vizinhos de sua janela. A genialidade de Hitchcock é fazer todo o filme do apartamento de Jeff, ou seja, estamos o tempo todo junto com ele, vendo apenas o que ele vê da janela. A imagem só se aproxima se ele utiliza um binóculo ou a lente da câmera. Estamos com ele vendo o filme através de uma janela, o que não deixa de ser uma metalinguagem. Afinal, o que é ver um filme senão observar a vida dos outros através de uma janela?
Neste ponto, a trama central do possível assassinato presenciado por Jeff de sua janela nem é o mais importante. E sim, esta fruição da observação alheia. Há um jogo contínuo que o diretor nos proporciona. Em determinado momento, ele brinca inclusive com os princípios da montagem, ao repetir o Efeito Kuleshov. O ator James Stewart faz uma única expressão neutra, enquanto Hitchcock intercala com diversas cenas nos apartamentos vizinhos. Da mesma forma que o russo utilizou um prato de sopa, uma criança em um caixão e uma mulher no sofá para sua experiência.
Da mesma forma, somos também observadores do próprio drama de Jeff e Lisa. Este improvável casal que parece se amar, ao mesmo tempo em que é tão diferente. Ele, um fotógrafo investigativo, que vive de aventuras pelo mundo. Ela, uma profissional de moda, que vive do que ele considera futilidades. A forma fria como ele a trata muitas vezes, o esforço que ela faz para agradá-lo com as coisas erradas como um jantar servido com lagosta a thermidor, além do desfile de roupas, nos envolve.
E a virada desta trama amorosa está intimamente ligada à virada da trama de simples observação da vida alheia. Quando Jeff acredita ter visto um assassinato no apartamento da frente, é Lisa quem compra a briga e se torna suas pernas na aproximação com o local do crime. Suas atitudes destemidas, a curiosidade também intrínseca a ela, dão a esperança de que o casal não é assim tão diferente.
É curiosa também a forma como a investigação do crime vai sendo feita. Praticamente por suposições, tal qual a plateia de um filme que fica imaginando o que aconteceu, a partir do pouco que o diretor fornece de informação. E enquanto Jeff, Lisa e a enfermeira Stella nos envolvem em suas suposições que levam ao assassinato, o personagem de Wendell Corey, o detetive Doyle, é a voz contrária, criando dúvidas e nos deixando na expectativa da revelação final.
Além do assassinato e da trama do casal principal, Janela Indiscreta ainda nos proporciona pílulas de quadros humanos, como a Coração Solitário, vizinha que quase se suicida. O casal em lua de mel que só vive na cama. A dançarina cercada por homens que não ama, o músico e suas festas. O casal preguiçoso que dorme na sacada e desce o seu cão para passear através de uma cestinha. Cada uma dessas experiências nos traz momentos divertidos e ternos que só enriquecem o filme.
Talvez pela junção dessas pequenas coisas, Janela Indiscreta tenha se tornado o meu Hitchcock preferido. Gosto muito também de Rope (Festim Diabólico), que curiosamente o diretor considera uma grande bobagem de sua carreira. Gosto da forma como ele cria simbologias e efeitos em espaços limitados. O fascínio por Janela Indiscreta é tanto que nunca tive coragem de ver o remake com Christopher Reeve, por exemplo, apesar de ter visto o Psicose de Gus Van Sant, ou a bobagem que foi Um Crime Perfeito (versão de Disque M para Matar). Um filme que vai além do que é visto, construindo significados que, como disse, definem o próprio cinema.
Janela Indiscreta (Rear Window, 1954 / EUA)
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: John Michael Hayes
Com: James Stewart, Grace Kelly, Wendell Corey, Thelma Ritter
Duração: 112 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Janela Indiscreta
2013-11-18T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
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