Roteirista de filmes como Baile Perfumado, Amarelo Manga, Baixio das Bestas, A Festa da Menina Morta e A Febre do Rato, Hilton Lacerda assume a direção do seu primeiro longametragem de ficção, conseguindo nos envolver e emocionar.A trama se passa em Recife durante o período da ditadura militar. O foco, um amor proibido entre o artista Clécio e o soldado Arlindo, mais conhecido como Fininha por causa de sua voz. Uma relação homossexual, entre um transgressor libertário e um militar opressor em um mundo de ideias. E o mais interessante de Tatuagem é nos contar essa história sem exageros panfletários.
O início do filme é construído em paralelo, nos mostrando a rotina dos dois. Clécio é o líder do grupo teatral Chão de Estrelas, com seus espetáculos transgressores que tem em Paulete a maior estrela. O transformista é também um caso de Clécio, e tem uma personalidade forte, que sempre busca provocar o que está ao seu redor. O estilo hippie do grupo, sempre em um clima transgressor, tendo um militar no meio, nos remete ao clima da peça / filme Hair, apesar de terem outras questões envolvidas.
A construção inicial de Fininha é bastante simbólica e diferente do personagem Bukowski da referida história americana. A cena inicial é ele sentado em sua cama no quartel e as grades das demais camas na perspectiva que a câmera nos mostra, se assemelha a grades de uma prisão. Há sempre esse clima quando vemos o exército, algo que nos remete aos versos de Vandré "no quartel lhes ensinam antiga lição, de morrer pela pátria e viver sem razão". E é curioso que Hilton Lacerda queria nos mostrar esse Fininha assim, preso em um mundo sem sentido, mas ao mesmo tempo não fazê-lo ingênuo. Ainda que a belíssima cena de Clécio cantando no palco "Esse Cara" nos remeta a um jogo de sedução ao menino que ali está, tudo é muito mais profundo, a começar pela letra da música. Não há na relação uma divisão clara de papéis, de sedutor e seduzido, de dominador e dominado. Eles estão o tempo todo se misturando e invertendo papéis. Principalmente, quando Fininha começa a questionar a própria filosofia de Clécio ao dizer que ele não pode ter ciúmes, nem posses.
Toda a construção da relação do casal, e das relações humanas em geral que são expostas no filme é feita de uma maneira bastante sensível. Não há julgamentos nem em relação às pessoas que estão no quartel. Todos são vistos como seres humanos, todos frágeis e capazes de serem fortes. Parece que Hilton Lacerda não quer polemizar ou mesmo aprofundar temas, apenas contar uma experiência de vida de uma forma leve. Mesmo a repressão militar do período ditatorial é citado superficialmente. E nada disso é ruim, é uma escolha. Não cabe a Tatuagem ser intenso seja emocionalmente, ou em denúncia. Quer apenas nos passar uma sensação do momento, da própria busca pela liberdade e pela força de transgredir os limites através da arte. Talvez por isso, as imagens em Super-8 casem tão bem na mistura fotográfica da obra. Elas, por si só, nos remetem a uma nostalgia de um tempo que não volta. Vivenciamos melhor o clima do Chão de Estrelas e sua eterna festa.
Tatuagem é um filme poético e belo. Uma fábula delicada sobre o amor, a liberdade e os direitos de cada um que apesar de se situar em um período específico de nossa história, se torna universal e atemporal. Recife nos brinda a cada dia com um cinema que realmente empolga.
Tatuagem (Tatuagem, 2013 / Brasil)
Direção: Hilton Lacerda
Roteiro: Hilton Lacerda
Com: Irandhir Santos, Jesuita Barbosa, Rodrigo García, Sylvia Prado, Sílvio Restiffe
Duração: 110 min.

