A Boa Mentira
O canadense Philippe Falardeau lança o seu primeiro filme produzido nos Estados Unidos que fala sobre uma realidade muito particular. A guerra civil no Sudão, com suas milhares de mortes e outro sem números de refugiados em uma visão romanceada da realidade.
Durante a guerra civil, uma tribo é destruída por militares obrigando um grupo de crianças a se lançar no deserto sozinhas em busca de um lugar seguro. Entre elas, os irmãos Mamere, Abital, Theo junto com os amigos Jeremiah e Paul. Após muita luta e sofrimento em uma jornada quase impossível, eles chegam a um campo de refugiados no Quênia, com exceção de Theo que se rende para salvar a vida de Mamere. Anos se passam e eles tem a oportunidade de um intercâmbio para os Estados Unidos onde podem conseguir uma vida melhor.
A primeira coisa que o filme nos faz questionar é: o que é uma vida melhor. Claro que, no Quênia, naquele campo pobre sem perspectivas tudo parece uma grande prisão. Mas, é a realidade que eles conhecem. Ao chegar aos Estados Unidos, todos são muito ingênuos e estranhos àquela civilização, vide as pequenas dificuldades, como atender um telefone, a questões mais complexas, como emprego, estudos e oportunidades reais.
Apesar de serem amparados pelo programa social de refugiados, cada um vai tendo sua própria questão. A começar por Abital, única mulher do grupo que tem que ser transferida para Boston, porque precisa ficar em uma casa de família. É engraçado que o programa não ache apropriado uma garota viver sozinha com os outros sendo que um é seu irmão, e os outros dois a consideram igual, quando estamos em uma realidade onde a mulher já é completamente independente. A própria assistente da agência de empregos vivida por Reese Witherspoon é um mulher solteira, independente e bem resolvida. Tal regra só nos remete ao preconceito de que ela possa vir a se prostituir.
Mas, caminhos tortuosos seguem Paul, que encontra um emprego onde tem fácil habilidade, mas acaba se envolvendo com drogas por incentivo dos colegas. Enquanto que Jeremiah, que sempre foi religioso, não consegue aceitar algumas coisas do seu trabalho, como jogar fora toneladas de comida com prazo de validade. Já Mamere era auxiliar de médico no acampamento de refugiados e sonha em poder estudar para exercer a medicina, mas, para isso, vai encarar uma jornada tripla de trabalhos e estudos.
Há uma construção no filme do sonho americano com nuanças impressionantes desde a camisa que dão a Mamere lá na África ainda com o símbolo da Nike e os dizeres "Just Do It", passando por possibilidades e realidade no país. A descoberta daquele mundo, a perda da inocência, as escolhas de seus próprios destinos e até a transformação da assistente social que vai aprendendo a admirá-los a medida que os conhece criam um clima ameno e divertido apesar do tema sério.
Agora, o filme acaba não tratando o problema de uma maneira tão profunda, voltando ao questionamento de o que é o melhor para cada um deles. Mostrar os Estados Unidos como a terra abençoada que os acolhe e lhes dá a oportunidade de recomeçar a vida é sempre uma política perigosa. Ainda mais se tratando de países africanos com problemas sérios de guerra.
De qualquer maneira, os personagens são bem desenvolvidos e criam empatia fácil com o público, tornando a jornada de descoberta prazerosa. Há cenas lindas de humildade, amizade, lealdade. Tem até um product placement muito bem feito da McDonald's que traduz bem esse clima de inocência e descoberta de um outro mundo. A evolução deles também é bem construída, delineando bem a personalidade de cada um, seus aprendizados e escolhas para o futuro que nos levam a uma decisão final coerente e emocionante.
Destaque ainda para a fotografia e maquiagem, principalmente na parte inicial, quando os meninos passam dias andando sem maiores esperanças. Os detalhes das paisagens hostis, a degradação física, a superação. Tem uma cena em que eles bebem urina de um caneco fazendo um mantra de "não quero morrer, quero viver" que é emocionante.
No final, A Boa Mentira tem altos e baixos. Vê a situação com o olhar dos Estados Unidos, por mais que coloque os sudaneses como protagonistas, mas tem também boas reflexões e personagens envolventes.
A Boa Mentira (The Good Lie, 2014 / EUA)
Direção: Philippe Falardeau
Roteiro: Margaret Nagle
Com: Reese Witherspoon, Arnold Oceng, Ger Duany
Duração: 110 min.
Durante a guerra civil, uma tribo é destruída por militares obrigando um grupo de crianças a se lançar no deserto sozinhas em busca de um lugar seguro. Entre elas, os irmãos Mamere, Abital, Theo junto com os amigos Jeremiah e Paul. Após muita luta e sofrimento em uma jornada quase impossível, eles chegam a um campo de refugiados no Quênia, com exceção de Theo que se rende para salvar a vida de Mamere. Anos se passam e eles tem a oportunidade de um intercâmbio para os Estados Unidos onde podem conseguir uma vida melhor.
A primeira coisa que o filme nos faz questionar é: o que é uma vida melhor. Claro que, no Quênia, naquele campo pobre sem perspectivas tudo parece uma grande prisão. Mas, é a realidade que eles conhecem. Ao chegar aos Estados Unidos, todos são muito ingênuos e estranhos àquela civilização, vide as pequenas dificuldades, como atender um telefone, a questões mais complexas, como emprego, estudos e oportunidades reais.
Apesar de serem amparados pelo programa social de refugiados, cada um vai tendo sua própria questão. A começar por Abital, única mulher do grupo que tem que ser transferida para Boston, porque precisa ficar em uma casa de família. É engraçado que o programa não ache apropriado uma garota viver sozinha com os outros sendo que um é seu irmão, e os outros dois a consideram igual, quando estamos em uma realidade onde a mulher já é completamente independente. A própria assistente da agência de empregos vivida por Reese Witherspoon é um mulher solteira, independente e bem resolvida. Tal regra só nos remete ao preconceito de que ela possa vir a se prostituir.
Mas, caminhos tortuosos seguem Paul, que encontra um emprego onde tem fácil habilidade, mas acaba se envolvendo com drogas por incentivo dos colegas. Enquanto que Jeremiah, que sempre foi religioso, não consegue aceitar algumas coisas do seu trabalho, como jogar fora toneladas de comida com prazo de validade. Já Mamere era auxiliar de médico no acampamento de refugiados e sonha em poder estudar para exercer a medicina, mas, para isso, vai encarar uma jornada tripla de trabalhos e estudos.
Há uma construção no filme do sonho americano com nuanças impressionantes desde a camisa que dão a Mamere lá na África ainda com o símbolo da Nike e os dizeres "Just Do It", passando por possibilidades e realidade no país. A descoberta daquele mundo, a perda da inocência, as escolhas de seus próprios destinos e até a transformação da assistente social que vai aprendendo a admirá-los a medida que os conhece criam um clima ameno e divertido apesar do tema sério.
Agora, o filme acaba não tratando o problema de uma maneira tão profunda, voltando ao questionamento de o que é o melhor para cada um deles. Mostrar os Estados Unidos como a terra abençoada que os acolhe e lhes dá a oportunidade de recomeçar a vida é sempre uma política perigosa. Ainda mais se tratando de países africanos com problemas sérios de guerra.
De qualquer maneira, os personagens são bem desenvolvidos e criam empatia fácil com o público, tornando a jornada de descoberta prazerosa. Há cenas lindas de humildade, amizade, lealdade. Tem até um product placement muito bem feito da McDonald's que traduz bem esse clima de inocência e descoberta de um outro mundo. A evolução deles também é bem construída, delineando bem a personalidade de cada um, seus aprendizados e escolhas para o futuro que nos levam a uma decisão final coerente e emocionante.
Destaque ainda para a fotografia e maquiagem, principalmente na parte inicial, quando os meninos passam dias andando sem maiores esperanças. Os detalhes das paisagens hostis, a degradação física, a superação. Tem uma cena em que eles bebem urina de um caneco fazendo um mantra de "não quero morrer, quero viver" que é emocionante.
No final, A Boa Mentira tem altos e baixos. Vê a situação com o olhar dos Estados Unidos, por mais que coloque os sudaneses como protagonistas, mas tem também boas reflexões e personagens envolventes.
A Boa Mentira (The Good Lie, 2014 / EUA)
Direção: Philippe Falardeau
Roteiro: Margaret Nagle
Com: Reese Witherspoon, Arnold Oceng, Ger Duany
Duração: 110 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Boa Mentira
2015-04-11T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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