Como já tinha comentado na matéria inicial, o XII Panorama Internacional Coisa de Cinema trouxe uma farta produção baiana. E claro, os curta-metragens são sempre um belo olhar de exercício de linguagens, experimentações e reflexões construtivas. Um formato pouco valorizado, que muitas vezes não parece dar tanto "status" aos realizadores que acabam sonhando com a oportunidade de lançar um longa-metragem. Uma pena, alguns longas que vi no festival, por exemplo, dariam curtas muito melhores.
Foram vinte curtas-metragens baianos esse ano. Dois na competitiva nacional e outros dezoito na competitiva baiana. Infelizmente, dois não pude conferir, os demais serão contemplados em duas postagens para não ficar muito extensa.
Vamos começar com os dois representantes na Competitiva Nacional, Interdito de Leon Sampaio e Ótimo Amarelo de Marcus Curvelo.
Competitiva Nacional:
Interdito (BA, 3', 2016)
de Leon SampaioÉ difícil falar sobre Interdito. Não por ser um filme ruim ou pouco acessível, pelo contrário. É porque é uma obra extremamente viva que só dá para compreender completamente, vivenciando-a. Apenas um plano, uma praia à luz do luar, um casal que se aproxima e se encontra na beira do mar. Apenas suas silhuetas são vistas, não se ouve qualquer conversa, apenas observamos aquele encontro e desencontro e ficamos imaginando o que acontece. Nos colocamos no lugar que o cinema mais gosta de expor sua plateia, como espécie de voyeurs. Observamos aquilo e podemos criar nossas próprias histórias sobre o que é visto em tela já que nada é dado pronto ao espectador. Uma experiência intensa, ainda que simples.
Ótimo Amarelo (BA, 20', 2016)
de Marcus CurveloMarcus Curvelo nos traz uma história sobre expectativas e frustrações com o estilo muito próprio de suas obras que conecta imagens e sons díspares para criar novos significados. Ele utiliza muitos elementos para compor sua história, partindo de conceitos de avaliação escolar, mas falando sobre sair de Salvador, buscando uma carreira no Sudeste, sobre o Esporte Clube Vitória e suas expectativas e frustrações a partir do retorno do ídolo Bebeto e fazendo um paralelo o bairro do Rio Vermelho que foi requalificado na atual gestão municipal criando muita discussão e controvérsia com moradores, pescadores e artistas frequentadores do local.
O mais interessante em Ótimo Amarelo é exatamente essa sensação de incômodo diante das aparências. O que de fato nos traz melhorias? Perspectivas? Esperanças? Tudo parece relativo e até insólito. É um outdoor que comemora uma estudante que passou em Medicina, mas nosso protagonista não teve nem uma nota sobre seu terceiro lugar em Publicidade. É o ídolo Bebeto que não fica nem dois meses e se transfere para o Botafogo visando uma vaga na seleção. É o Rio Vermelho feliz das propagandas que retirou moradores de seu habitat para criar um espaço turístico como o Mercado do Peixe. Ainda que de uma maneira própria anárquica, Marcus Curvelo cria um filme político, poético e existencial em diversos níveis.
Competitiva Baiana:
Minotauro – Viagem ao Labirinto do Corpo (BA, 23', 2016)
de Leonardo FrançaApós sucesso de Ifá, Leonardo França retorna com mais um vídeo experimental que une uma trama com vídeo dança. Minotauro – Viagem ao Labirinto do Corpo é um filme experimental que traz referências de videogame para criar uma narrativa, que, na verdade, experimenta corpo e imagens. Uma viagem interior mesmo, através da respiração e sensações que se misturam em tela em uma lógica ilógica interessante. Funciona enquanto proposta experimental estética sem maiores pretensões na construção de sentido.
Neandertais (BA, 20', 2016)
de Marcus CurveloJá Neandertais de Marcus Curvelo parece criar uma ruptura também em sua narrativa, mas aqui a construção é mais orgânica e cheia de significados que já possuem pistas no título com o neandertal no plural, quando aparentemente só temos um representante da época no filme. A maneira como Marcus apresenta a rotina daquela lanchonete, o diálogo do cliente com a atendente, a apatia do rapaz que frita hambúrguer, tudo contribui para a segunda parte e os significados que podemos tirar dela. Falta apenas um desfecho, algo parece se perder ali, ou deixar para nossa mente completar, o que também não é ruim.
Um Café (BA, 5', 2016)
de Clarissa RebouçasUma experiência visual para falar de solidão. Extremamente simples, o que não quer dizer simplório, o filme de Clarissa Rebouças explora bem as imagens, a mise en scène, os planos para apresentar um sentimento. Um experimento poético que instiga.
Marlindo Paraíso e a Kombi do Amor (BA, 20', 2016)
de Max GagginoMax Gaggino é o cineasta que podemos chamar de guerrilha, está sempre produzindo com recursos mínimos e muita vontade. Aqui a produção é um pouco maior e traz uma visão irônica desses programas de namoro na TV. A Kombi do Amor vai pela cidade, colhendo depoimentos em vídeo e apresentando-os aos destinatários. A estética brega, o tom over, tudo parece extremamente interessante. Até que Max resolve desnudar seu protagonista Marlindo através da paixão por uma das clientes e o filme cai muito, principalmente, porque o tom over continua mesmo quando ele despe o personagem e é apresentado em seu dia a dia, principalmente pela trilha exagerada. Ainda assim, uma experiência interessante.
Hotel Paraíso (BA, 14', 2016)
de Jon LewisOutro filme que cai muito na parte final é Hotel Paraíso. Com uma estética over de um casal fake que visita as ruínas de um hotel como se fosse um cinco estrelas em Miami, o filme traz uma ironia e crítica instigante. O tom nonsense das atitudes do casal e do mordomo que os recepciona e parece único funcionário hotel funciona bem. O problema está na revelação final que, de certa maneira, frusta a expectativa. Mas, também é uma experiência interessante.
O mundo do rio não é o mundo da ponte (BA, 14', 2016)
de Silvana Olivieri e Tenille BezerraComo cinema, este curta não nos chama tanto a atenção. Há problemas de fotografia, de som, de roteiro. Porém, a sua força está no discurso político. Utilizando mais uma vez as obras do Rio Vermelho e o que isso significou para os moradores locais, principalmente os pescadores e os comerciantes do Mercado do Peixe, o curta nos instiga a pensar sobre essa cidade da propaganda política e a real. Uma experiência necessária também em festivais de cinema.