A Criada
Dividido em três partes, o novo filme de Park Chan-wook parece só começar a acontecer de fato após a primeira virada. Não que antes não houvesse nada de instigante. É bem construído, mas aparentemente comum. E comum é algo que definitivamente não se aplica ao cinema desse sul-coreano.
Muitas são as personagens citadas ou apresentadas no início de A Criada, mas o que importa mesmo é conhecermos quatro deles. A jovem rica Hideko, seu tio pervertido Kouzuki, o falso conde Fujiwara e a criada Sookee. São todos peças de um instigante jogo de interesses que envolve dinheiro, cobiça sexual e, por que não, amor em alguma dose.
É difícil até mesmo narrar a trama do filme, pois existem muitas camadas a serem descobertas. Mas o que nos é apresentado a princípio é que Fujiwara quer dar um golpe na jovem rica Hideko que está com o casamento marcado com o tio. Fingindo ser um conde, ele infiltra Sookee como criada pessoal da moça a fim de que ela ajude a convencê-la a se casar com o falso nobre. Para depois, colocá-la em um manicômio e usufruir de sua fortuna.
Essa composição humana pouco afeita a normas e padrões também é outra característica do cinema de Park Chan-wook. São estudos de personagens instigantes que estão sempre testando limiares entre bem e mal, certo e errado, impulso ou planejamento. A grande mansão onde acontece a maior parte da trama acaba sendo também outra personagem importante com seus segredos e maldições. Desde o suicídio da tia, passando pela leitura de contos eróticos até o famigerado porão.
Tudo vai sendo construído e se encaixando de uma maneira perfeita. Uma obra para se admirar em todos os níveis. Principalmente no visual. Cada plano é construído com esmero impressionante nos dando um conjunto de técnicas que nos encantam e envolvem. Uma cena em que Sookee sai de casa para ir para a mansão embaixo de chuva é esteticamente linda e também simbólica, como se a chuva estivesse ali lamentando os possíveis infortúnios de um plano tão mesquinho.
Tudo parece fugir ao óbvio em composições que nos instigam. Desde cenas de sexo a cenas de violência, miss-en-scène, fotografia e montagem parecem dialogar sempre em um ballet afinado, tornando cada momento um deleite de apreciação estética.
As catarses também são bem-vindas e temos momentos bem conduzidos como um em que Sookee e Hideko invadem a preciosa biblioteca do tio Kouzuki. É curioso como Park Chan-wook está sempre lidando com o ético e não-ético de uma maneira tão natural, sem necessariamente julgar suas personagens.
A Criada é daqueles filmes que nos instigam, movimentando todos os nossos sentidos. Uma obra que traz referências diversas, desde a literatura do Marquês de Sade ao cinema de Quentin Tarantino. Daqueles filmes que fica em nossa mente ainda por um bom tempo.
A Criada (Ah-ga-ssi, Coréia do Sul, 2017)
Direção: Park Chan-wook
Roteiro: Park Chan-wook, Jeong Seo-kyeong
Com: Kim Min-hee, Ha Jung-woo, Jo Jin-woong
Duração: 144 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Criada
2017-01-19T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
cinema asiático|critica|drama|Ha Jung-woo|Jo Jin-woong|Kim Min-hee|Park Chan-wook|
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