Diretores sempre intensos, focados em histórias fortes e individuais que retratam um recorte contundente da sociedade, os irmãos Dardenne nos dão aqui mais uma jornada psicológica, ainda que com floreios de suspense e investigação tradicionais. Um filme que nos envolve e faz pensar.
Culpa, ética, arrependimento, "e se", tudo isso permeia na cabeça da médica Jenny Danvin quando descobre que uma mulher, imigrante africana, fora encontrada morta perto do seu consultório. Na noite anterior, ela e seu assistente Julien estavam ainda no local quando a campainha tocou, mas apesar da vontade do jovem, a médica não o deixa atender porque já passou mais de uma hora do encerramento do expediente.
Com a foto da garota morta em seu celular, resgatada da câmera de segurança, Jenny começa sua jornada de busca pelo nome da moça. Jornada essa que traz alguns perigos, ao se envolver com pessoas que possam ter algo com o acontecimento, mas não querem se envolver já que a moça era prostituta. De qualquer maneira, a forma como os Dardenne intercalam a rotina da médica com sua obsessão pelo passado da vítima é que nos traz o melhor de sua marca autoral. Não é uma trama de investigação tradicional, ainda que com alguns recursos dela. O ritmo é próprio, focado na personagem principal, suas sensações, sua concepção psicológica.
As revelações vão chegando aos poucos, e acabam sendo o que menos importa. O importante é a jornada, a busca pela consciência limpa, e que nos traz essa curiosa reflexão ética e humana aos mesmo tempo. Não podemos condenar a não abertura da porta após o expediente, mas isso teria, de fato, salvado uma vida?
Mais do que isso. Teria a médica se importado com a prostituta imigrante, talvez ilegal, morta perto do seu consultório se ela não tivesse batido à sua porta minutos antes? O que vale uma vida e quem realmente se importa com isso? A busca por saber quem era a moça, era apenas para limpar a consciência ou tinha uma questão humanitária ali? Questão essa que a própria família não parecia tão preocupada. Há ainda a questão sexista, já que a médica mulher e a moça morta estão quase que lutando contra um grupo de homens. Seja os investigadores, os outros envolvidos, que vão sendo descobertos, e até mesmo dois traficantes que ameaçam a médica em uma de suas investigações. Isso sem falar em um garoto que até jogá-la no buraco, literalmente, joga.
Os Dardenne conseguem conduzir isso tudo com muita competência ainda que algumas cenas soem exageradas e quase risíveis, como quando a médica tem que virar de costas para outro contar uma história. Um filme forte que nos envolve e faz pensar. Como a maioria da dupla.
A Garota Desconhecida (La fille inconnue, 2017 / Bélgica / França
Direção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Com: Adèle Haenel, Olivier Bonnaud, Jérémie Renier
Duração: 113 min.
