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Gostosas, Lindas e Sexies
Gostosas, Lindas e Sexies
Dizem que há sempre uma má vontade da crítica em relação à comédia. É um gênero que busca o gosto popular, constrói graça, muitas vezes, com o que é considerado bobo, rebaixando as personagens e construindo situações vexatórias. As mulheres são alvo fácil nesse tipo de produção, com estereótipos bem definidos como a gostosa-objeto-e-burra ou a megera. Trazer quatro mulheres fora dos padrões da mídia como protagonistas e valorizá-las parecia um bom caminho, mas já pelo título, dá para perceber que Gostosas, Lindas e Sexies não foge dos estereótipos da visão masculina sobre a mulher.
É preciso alertar que este texto contém pequenos spoilers, nada que conte o desenrolar da trama, seu final, mas algumas cenas serão citadas para ilustrar o raciocínio. Então, caso queria ir ao cinema sem saber nada, melhor voltar depois para discutirmos, pois esse filme precisa ser analisado, mais do que visto, já que o riso não é algo fácil nele diante de uma estrutura tão problemática e com uma visão tão machista.
Quatro mulheres, quatro amigas, todas plus size, que no filme são lembradas o tempo todo que são gordas mesmo. Até pela geladeira de uma delas que não quer ser assaltada e chega a "trancar" sua porta para que a dona não tome um sorvete. Sim, você não leu errado, a geladeira da personagem de Carolinie Figueiredo fala. Na cabeça dela apenas, mas fala, sendo apenas mais um elemento que reforça a gordofobia na obra. Temos ainda uma participação lamentável de Paulo Silvino como o taxista que reclama que a suspensão do carro não vai aguentar tanta gorda junta e também é chamado de velho, só pra reforçar que o filme atira para todos os lados. E tem o velho clichê das mulheres magras megeras para contrapor as amigas gordinhas.
Gordas, como o filme não nos deixa esquecer, mas gostosas, lindas e sexies e para explorar bem esse ponto, o roteiro de Vinícius Marquez cria as situações mais absurdas que reforçam assédio, abuso e até estupro de uma maneira tão natural que coloca todas as fantasias masculinas na tela como se fossem as femininas, até a do fedelho iniciante pegando a professora de inglês, que, apesar de apresentada como uma imagem da típica professorinha de high school, o garoto faz questão de dizer que já tem dezoito anos para não se configurar a pedofilia. A mais problemática envolve um sequestro relâmpago que acaba em sexo no cativeiro e algo mais.
A própria história de Beatriz (Carolinie Figueiredo) tem seus absurdos próprios. Apesar de um marido "perfeito", o rapaz encontra sua mulher rastejando no chão de uma boate após ser dopada pelas megeras e não protegida pelas amigas que a deixam fazer o "show'. O rapaz simplesmente aproveita o momento e ainda acorda dizendo que eles transaram como nunca, sendo que a moça nem lembra de nada. Depois ela é assediada no trabalho pelo colega e gosta tanto que tem um caso com ele.
Ou seja, há um esforço em colocar mulheres bem sucedidas, inteligentes, porém, parece que suas vidas estão sempre girando em torno dos homens. Eles estão sempre ali, mesmo que aparentemente para serem usados por elas, mas isso só reforça a fantasia masculina do que seja a fantasia feminina. Isso não quer dizer que mulheres não gostem de sexo ou não tenham fantasias, mas a maneira como isso é explorado no filme é uma visão masculina, não feminina, pois apesar de parecer protagonizar a cena, elas continuam sendo objetos dos homens, brigando por eles, construindo suas vidas em torno deles.
Como se não bastassem todos os problemas de gênero do filme, ele consegue não ter graça. Pode ser a contaminação da observação desses tópicos todos tão polêmicos. Porém, fica complicado rir de uma geladeira brigando com sua dona, por exemplo, ainda mais criando uma voz e trejeitos de gay só porque alguém imaginou que isso seria mais engraçado. Ou achar divertida uma cena de uma mulher amarrada, amordaçada e de olhos vendados com um sequestrador atrapalhado de barriga tanquinho.
Gostosas, Lindas e Sexies é daqueles filmes que você fica se perguntando como ninguém viu que não era uma boa ideia levar essa trama adiante dessa maneira.
Gostosas, Lindas e Sexies (Gostosas, Lindas e Sexies, 2017 / Brasil)
Direção: Ernani Nunes
Roteiro: Vinícius Marquez
Com: Cacau Protásio, Lyv Ziese, Mariana Xavier, Carolinie Figueiredo, Marcos Pasquim, Juliana Alves, André Bankoff
Duração: 90 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Gostosas, Lindas e Sexies
2017-04-18T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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