O.J.: Made in America
Vencedor do Oscar de Melhor Documentário O.J.: Made in America é bem feito e cuidadoso em sua pesquisa, porém, gerou polêmica em relação a seu formato. Afinal, estamos diante de uma série de cinco episódios e não de um longa-metragem. A própria Academia vai mudar suas regras para a próxima edição por causa disso.
De qualquer maneira, há no documentário um esforço para compreender um dos casos mais chocantes que aconteceram nos Estados Unidos e que ainda hoje geram controvérsias. Ao contrário da série de ficção da Netflix, o documentário da ESPN não foca apenas no "julgamento do século", mas na figura de Orenthal James Simpson desde o seu início até sua prisão em Las Vegas.
Tudo isso acaba ajudando a compreender melhor a própria importância do julgamento, principalmente para pessoas que não vivem nos Estados Unidos e não tem familiaridade com o futebol americano. Entender aatleta, sua trajetória e sua transformação após a fama é fundamental para compreender a própria divisão de raças durante o julgamento. Assim como tudo que aconteceu depois.
dimensão do
Ezra Edelman tenta ser imparcial, entrevistas muitas pessoas, inclusive duas juradas, tentando traçar o perfil do caso. Talvez falte apenas ao documentário abordar algo que na série de ficção ficou mais clara como a questão do machismo e a maneira como tanto júri, quanto advogados de defesa e mídia lidaram com a advogada Márcia Clark. Porém, ela própria deu depoimento e se não puxou esse assunto pode ter sido por pedido da própria para não mais se expor.
O fato é que, durante os cinco episódios, ficamos conhecendo melhor esse homem que nasceu na periferia e muito cedo se destacou no esporte. Cuidando de sua carreira e fama, preferiu ficar a parte da luta racial que se desenvolvia em seu país e dizia diversas vezes que não era "um negro" era O.J. É irônico, então, que esse homem ao ser acusado de matar uma mulher e um homem branco acabe se valendo da questão do "racismo" para se defender.
O que o documentário nos mostra com muita clareza é que aquele não era o julgamento de um homem acusado de matar sua esposa e o amigo dela, mas da polícia de Los Angeles por tratar com os negros de uma forma tão preconceituosa e desumana. Dois lados foram formados e se discutiu tudo, menos o caso em si. Ficando as vítimas quase esquecidas e sem uma solução para os seus assassinatos.
O documentário, ainda assim, desmistifica essa ideia de que o júri votou apenas pela questão racial ao demonstrar que a promotoria falhou no tribunal deixando que a defesa com seu time dos sonhos tomasse conta do julgamento, desviando todas as questões pertinentes ao caso. Todas as provas foram refutadas no tribunal. Ao final, só haviam dúvidas e se há uma expressão que todo estudante de direito conhece é "in dubio pro reo".
Indo além do veredito, a obra mostra ainda o pós julgamento e a maneira como O.J. não conseguiu retomar sua vida. Ele tinha pautado suas relações sociais no mundo branco e este o tinha condenado e não queria aproximação. Ir para Miami o fez lidar com outro universo, inclusive do crime, que acabou sendo uma armadilha para ele, levando-o à cadeia.
Há uma construção detalhada de ascensão e queda de um mito que nos deixa deprimidos em diversos aspectos ao analisar a obra. É impressionante como o essencial se perde em orgulho e egoísmo. Um homem que tinha tudo e se deixar levar de maneira tão irracional. Nunca ficou comprovado sua culpa, mas todos os indícios são fortes. E o livro "if I did it" é quase uma confissão, diante dos detalhes expostos. É triste que um atleta tão admirado e tão talentoso tenha se perdido dessa maneira. E é ainda mais triste que uma mulher e um homem tenham morrido de maneira tão brutal e as pessoas simplesmente lamentem mais e deem mais atenção ao possível assassino deles que a eles próprios.
Um documentário extremamente forte e que nos faz pensar. Principalmente porque o que ele retrata foi, de fato, "feito na América", fruto dessa sociedade que valoriza tanto as aparências e a ascensão social.
O.J.: Made in America (O.J.: Made in America, 2016 / EUA)
Direção: Ezra Edelman
Duração: 7h47min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O.J.: Made in America
2017-04-14T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
critica|documentario|Ezra Edelman|oscar 2017|
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