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Mulher do Pai
Mulher do Pai
Diversas questões ficam na mente após assistir ao filme de Cristiane Oliveira, mas uma parece saltar: o título. Mulher do Pai, a princípio, parece algo estranho, até mesmo um spoiler do que está por vir. Mas acaba sendo algo extremamente mais profundo.
Ruben, o pai vivido muito bem por Marat Descartes, é um homem extremamente dependente. Não por ser cego, mas por ter se deixado assim após perder a visão. Isso é um pouco do seu aprendizado durante a projeção. A mulher do pai é algo, então, muito mais simbólico. A mulher que cuida do pai. Primeiro a própria mãe dele, que morre logo no início da trama, depois a filha, protagonista da trama. Por fim Rosário, a professora vivida por Veronica Perrotta, que irá lhe ensinar a reencontrar a arte.
Isso chama a atenção exatamente porque a obra traz muito dessa carga na velha fórmula do: "tudo estava bem até que..." Nalu é uma adolescente em fim de fase escolar em uma cidadezinha no Rio Grande do Sul, tem planos para o futuro, uma faculdade na capital como sua melhor amiga ou o sonho de conhecer o Uruguai. Tudo fica mais difícil quando sua avó morre e ela precisa cuidar do pai. Tornar-se a "mulher do pai", ainda que simbolicamente, modifica a menina, mas não a paralisa.
Isso chama a atenção, principalmente pelo fato dela conhecer e se envolver com um rapaz mais velho. E o curioso é que descobrir isso é que faz com que Ruben perceba que ele não pode continuar sendo tão dependente e comece um movimento para tentar mudar sua posição. Contratar Rosário para lhe dar aulas acaba sendo o motor perfeito, ainda que Cristiane Oliveira tente criar algo que enfraquece essa equação na parte final. Desnecessária até, mas que volta ao eixo no final.
O fato é que Mulher do Pai nos conquista e envolve por sua construção de mundo bem cuidada. A mise-en-scène nos transporta para a realidade daquelas personagens nos pequenos detalhes. Como a casa sempre muito escura no início, com cenas na penumbra, que aos poucos vai se iluminando, assim como a transformação das personagens, reforçando que a cegueira ali não era exatamente a física, mas a psicológica.
Ainda que seja um filme enraizado naquela pequena cidade e sua sensação de enclausuramento, há momentos de libertação. Muitas cenas ao ar livre com a rotina do ir e vir da estrada. E mesmo uma pequena expedição ao país vizinho e suas trocas culturais. Não por acaso, duas personagens são do Uruguai. É curioso como a direção e a montagem não nos dão essa sensação de estar parado no tempo. Há uma busca por movimentos, descobertas, transformações constantes.
Mulher do Pai é um filme sensível que toca em assuntos delicados, como o amadurecimento de uma mulher, suas descobertas sexuais e sentimentais, assim como suas escolhas de vida. Constrói isso com um conflito denso de um pai dependente e de uma simbiose que poderia se tornar extremamente destrutiva para ambos. Mas consegue se reinventar de uma maneira simples e poética. Resolve-se bastante em imagens e pequenos gestos, sem precisar de muitas catarses ou confrontos com diálogos. Um belo filme.
Mulher do Pai (Mulher do Pai, 2017 / Brasil)
Direção: Cristiane Oliveira
Roteiro: Cristiane Oliveira
Com: Maria Galant, Marat Descartes, Veronica Perrotta, Jorge Esmoris, Aurea Baptista
Duração: 94 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Mulher do Pai
2017-09-10T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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