
Não há como falar de Vazante sem a polêmica que o precede, o que não deixa de ser injusto com a obra. A repercussão que nos chega desde a estreia no Festival de Brasília acaba conduzindo o nosso olhar. Mas mesmo fazendo um exercício de nos despir de qualquer preconceito, não há como negar que a obra tem problemas de representatividade. Não é o caso de chamá-la de racista ou exigir algo que ela não se propõe. Porém, ao alocar sua trama no período do Brasil Colônia deixando a questão da escravidão apenas como pano de fundo, Daniela Thomas acaba deslizando na história que busca contar.


O filme segue, então, uma narrativa ironicamente monocórdia diante de situações tão densas. Talvez por isso salte tanto aos olhos a técnica fílmica, que de fato impressiona. Não há dúvidas sobre o talento de Daniela Thomas para direção cinematográfica. Os planos são bem escolhidos, há uma busca pelo olhar contemplativo e a fotografia em P&B traz uma certa melancolia necessária à obra.

Há um cuidado também da diretora em não explicitar a violência apenas como arma de choque, assim como em preservar em alguns aspectos suas personagens femininas. Não vemos o estupro, nem mesmo a primeira noite da pequena com seu esposo tão mais velho. Muito do filme está no não dito, nas elipses, o próprio romance não é explicitado. Talvez por isso, o impacto da cena final seja tão grande. Não apenas por tudo o que representa na formação do Brasil e mitos que construímos da formação de nosso povo, mas pelas surpresa que alguns podem ter diante de alguns fatos.
Vazante é um filme polêmico, deslocado e vai carregar consigo, infelizmente toda essa construção e desconstrução de suas intenções e narrativas. Mas é também uma obra bem-vinda, não apenas pela técnica cinematográfica, mas por permitir discussões, reflexões e compreensões tão diversas. Chama a atenção em diversos aspectos e não deixa de ser positivo para o cinema brasileiro.
Filme visto no XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema.
Vazante (Vazante, 2017 / Brasil)
Direção: Daniela Thomas
Roteiro: Daniela Thomas, Beto Amaral
Com: Adriano Carvalho, Luana Nastas, Sandra Corveloni, Vinicius dos Anjos, Fabrício Boliveira
Duração: 100 min.