Strong Island
Em 1992, William Jr Ford foi morto com um tiro pelo mecânico Mark Reilly. Uma investigação se iniciou, não para investigar o suspeito do crime, mas a vítima, afinal, para os investigadores, Ford poderia ser o responsável pela própria morte. O inquérito não foi aberto, o homem ficou livre e sua família teve que conter a dor. Agora, seu irmão resgata o crime para discutir injustiça, racismo e impunidade.
Os temas de Strong Island ecoam em obras que também ganharam destaque na temporada de premiações do ano passado como Eu não sou seu negro ou 13ª Emenda. A grande diferença aqui é o formato pessoal. Não apenas porque o diretor era irmão da vítima, mas pela maneira como ele trabalha a narrativa. Yance entrevista seus familiares e amigos que se dirigem diretamente a ele. Em contraste, ele próprio dá seus depoimentos olhando para a câmera em um plano próximo que nos dá a sensação dele estar nos olhando nos olhos de fato.
Essa estrutura faz a obra ser extremamente pessoal e ao mesmo tempo universal. Estamos ouvindo a história de William, mas de alguma forma, é a história de todo negro estadunidense. Estamos conhecendo melhor aquela família, mas criamos uma empatia por ela estar passando por emoções que nos são conhecidas como a dor da perda, o sofrimento pela impunidade e a sensação de impotência diante de uma injustiça.
Mesmo quando ele se refere ao assassino Mark Reilly, há uma busca pela comparação universal. "Me desculpe, mas ele parecia com qualquer outro branco que eu já tinha visto". E, dessa maneira, Yance Ford aborda o assassino como uma espécie de personificação do racismo, não é mais do indivíduo que estamos falando, mas sim de uma situação triste e recorrente.
O que mais assusta no caso é o fato de William ter se tornado o "culpado por sua própria morte". A maneira como a investigação foi feita e, principalmente, o resultado diante dos depoimentos deixam qualquer um abismado. Yance não se furta a aprofundar o caso, compreendendo um pouco da lógica ilógica dos promotores e do júri, tentando entender o que seu irmão teria feito para merecer aquilo. As explicações são expostas, mas nem isso justifica.
Pelo caráter intimo das conversas, conhecemos um pouco mais da família Ford e, com isso, nos afeiçoamos facilmente a eles. Pessoas honestas que buscaram dar o melhor a seus filhos e passaram por diversas transformações. A própria compreensão do diretor sobre sua sexualidade é colocada de maneira muito natural. Ele que se define como queer, conta sobre as Playboys que lia escondido do irmão, a forma como "saiu do armário" e não tem problemas em mostrar diversas fotos ainda como menina. Tudo isso contribui para o estilo de conversa intima que está tendo conosco.
Strong Island é um documentário que impacta por ser tão pessoal e ao mesmo tempo universal. Com sua estrutura de linguagem, nos faz embarcar naquela família, naquele caso e refletir sobre os diversos outros casos iguais a esse que podem ter existido e nem mesmo temos a noção. Daqueles filmes que nos faz pensar ainda por muito tempo após a projeção.
Strong Island (Strong Island, 2017 / EUA)
Direção: Yance Ford
Roteiro: Yance Ford
Duração: 107 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Strong Island
2018-02-05T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
critica|documentario|oscar 2018|Yance Ford|
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