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Coringa
Coringa
O homem é produto do meio? O pensamento de Rousseau ainda ecoa em nossa mente, mesmo com contrapontos, fazendo gerar personagens e tramas das mais diversas e intensas. Não é tão simples afirmar que nossa natureza é boa, ou mesmo se as adversidades nos moldam de maneira negativa, mas é fato que o mundo em que vivemos está doente e o novo filme do Coringa demostra bem essa questão.
Vencedor do Leão de Ouro em Veneza, aclamado por público e crítica, o filme de Todd Phillips chega quebrando paradigmas. O vilão de uma das HQs mais famosas de todos os tempos se torna protagonista de uma obra incômoda em diversos aspectos. Principalmente por ser um deleite técnico e estético que nos leva a sensações muitas vezes controversas de confronto com nossas próprias angústias e inquietações.
Coringa sempre chamou a atenção. Arqui-inimigo do homem-morcego, costuma roubar a cena com sua mente perturbadora e complexidade, dando material suficiente para que seus intérpretes brilhassem em performances inesquecíveis. A loucura nos fascina em algum nível, nos inquieta, nos assusta. E Coringa é a representação máxima dessa atração, muitas vezes, fatal. Aqui, como protagonista solo, ele ganha ainda mais camadas, capaz de construir uma estranha empatia com o público ao ser colocado como anti-herói.
Arthur Fleck não se resume ao Coringa, é uma personagem com muito mais camadas do que as já vistas. Não por acaso Joaquin Phoenix está sendo aclamado por onde a obra passa. O ator mergulha com profundidade nessa persona doentia, construindo um trabalho intenso que se demonstra principalmente no olhar e na composição corporal. Impressiona em cada frame, principalmente nas crises de riso que podem sintetizar um pouco o que representa e o efeito que a obra causa em nós.
O riso é associado à felicidade. Se você é uma pessoa que está sempre rindo, fazendo piadas, é visto como alegre. Não por acaso esse é o nome pelo qual a mãe de Arthur o chama. Mas o riso exagerado esconde muitas vezes uma imensa tristeza. Como diz a música, “rir de tudo é desespero”. Aqui, fica ainda mais clara a estratégia de fuga da realidade da personagem através desse riso e humor questionável. Algo que experimentamos em cenas extremamente cruéis e assustadoras, mas que acabam causando gargalhadas na plateia, como a da fechadura da porta, tornando tudo ainda mais assustador.
É impressionante como as estratégias fílmicas nos levam a ter compaixão de um ser com tantos traços de vilania. Todd Phillips joga o tempo todo com o pensamento de Rousseau, nos colocando muitas vezes na posição de justificar as atitudes do Joker, ao mesmo tempo em que ponderamos que boa parte de suas atitudes não é justificável. Há cenas já memoráveis, como a do metrô, com as luzes falhando nas passagens do túnel e o plongée dele no chão apanhando fazendo eco com a já impressionante cena no beco.
Trazer uma visão mais realista de Gotham, em meio ao caos e pobreza extrema diante de poucos privilegiados que olham para os excluídos de cima torna tudo ainda mais intenso. Ainda mais no mundo atual onde as pessoas estão sedentas por se agarrar a qualquer esperança de liderança que enfrente o sistema estabelecido. Duas cenas icônicas no terceiro ato são capazes de resumir bem esse sentimento e assombro.
Não é exagero dizer que há uma excelência na construção de Coringa que nos faz embarcar naquele mundo em suas duas horas de projeção. Tudo se encaixa em meio ao caos e somos apresentados à lógica ilógica da personagem em cada escolha, vivenciando o caminho que foi construindo sua trajetória, inclusive da fuga pelo riso. A piada para não encarar o espelho e a dor profunda que a máscara esconde. Somos colocados em seu lugar e nos assustamos com essa posição. É perigoso, é intenso, é uma verdadeira experiência fílmica.
Coringa (Joker, 2019 / EUA)
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
Com: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz
Duração: 122 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Coringa
2019-10-08T08:42:00-03:00
Amanda Aouad
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