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O Irlandês
O Irlandês
Filme de máfia, dirigido por Martin Scorsese, com Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, parece fórmula que não tem como dar errado. E, de fato, O Irlandês, baseado no livro de Charles Brandt impressiona em técnica e estética, principalmente porque não repete fórmula, nem parece mais do mesmo.
À primeira vista, nos vem a cabeça Os Bons Companheiros, mas o filme de 1990 do mesmo cineasta trata desse universo com outro tom. O Irlandês é um filme de ação onde a dinâmica e ritmo da trama trazem uma adrenalina própria. Podemos lembrar também do retrato feito em Cassino, filme de 1995, onde a máfia é retratada em um tom mais melancólico, mas, ainda assim, O Irlandês traz algo diferente.
É uma saga construída em roteiro não linear em basicamente três tempos. Chama a atenção o trabalho de CGI que rejuvenesceu os atores com impressionante realismo. Mas se destaca também a capacidade de construir essas etapas de maneira tão fluída que as três horas e meia de projeção não nos cansam. Vamos nos envolvendo nas camadas daquela trama que trata de decadência. Não simplesmente da máfia, mas do ser humano.
É um filme de Martin Scorsese acima de tudo, onde a criatividade e inovação são pontuadas com suas marcas autorais. A narração em voz over guia o ritmo, a câmera passeia pelo cenário construindo a crônica cotidiana ao mesmo tempo em que as imagens trazem um tom épico. A maneira como a mise-en-scène nos coloca em também em cena impressiona. Destaque também para o trabalho de montagem de Thelma Schoonmaker que não deixa perder o ritmo em momento nenhum.
O trio principal não precisa de elogios, mas é sempre bom destacar a boa atuação de Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, a maneira como conseguem passar verdade com suas personagens e construir uma dinâmica tão fluída entre eles. Mesmo com personagens tão questionáveis, é inegável a capacidade empática diante do trabalho de construção de pequenos gestos nas cenas mais densas.
Mas em um universo tão masculino onde as personagens femininas simplesmente transitam em tela no segundo plano com quase nenhuma oportunidade de fala não se pode deixar de destacar a atuação de Anna Paquin. A personagem instiga como a filha de Frank Sheeran (Robert De Niro), Peggy por ser o contra-ponto daquele mundo. Poderia ser melhor desenvolvida, poderiam ter também um momento para trabalhar seu ponto de vista. Mas o fato de deixá-la ali quase como uma sombra acaba puxando o foco para si, o que não deixa de ser instigante. É a representação da ausência de voz da mulher naquele universo e isso já fala muito.
É curioso que o filme O Irlandês surja em meio a crise e disputas do campo. As declarações de Scorsese sobre a Marvel esquentaram o debate sobre afinal o que seja cinema. E não deixa de ser irônico que esta seja uma obra da Netflix, com todas as questões que envolvem as brigas pela janela. Felizmente, em Salvador e algumas capitais foi possível ver essa pérola na tela grande. Independente disso, O Irlandês é daqueles filmes que qualquer cinéfilo agradece por existir.
O Irlandês (The Irishman, 2019 / EUA)
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Steven Zaillian
Com: Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci, Anna Paquin, Jesse Plemons, Kathrine Narducci
Duração: 220 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Irlandês
2019-12-03T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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