Dois mundos aparentemente distintos, mas igualmente solitários. Um homem mais velho com dor nas costas. Um mais jovem, massagista. No acompanhar da rotina de cada um, vamos imergindo em um retrato poético da solidão e passar do tempo.
Dias
Dois mundos aparentemente distintos, mas igualmente solitários. Um homem mais velho com dor nas costas. Um mais jovem, massagista. No acompanhar da rotina de cada um, vamos imergindo em um retrato poético da solidão e passar do tempo.
Assim é Dias, novo filme de Tsai Ming-liang que está na Mostra de São Paulo deste ano após passar por alguns festivais internacionais como o de Berlim. Tal qual todos os filmes do cineasta malaio, possui um ritmo próprio observativo. Tanto que não há nem mesmo diálogos.
As imagens pulsam em uma intensidade curiosa, acompanhando a rotina dos dois. E chama a atenção a maneira como a montagem os liga muito antes de um encontro físico. Uma ação parece que leva a outra, não deixando dúvidas em relação à aproximação.
Quando finalmente acontece, acompanhamos uma cena de massagem intensa em detalhes. Em tempo real, sem elipses. De alguma maneira aqueles movimentos repetitivos nos hipnotizam. Alguns podem se incomodar, mas outros podem embarcar de uma maneira tão intensa que podem, até mesmo, relaxar junto.
Acompanhar aqueles dias, em uma espécie de documentário no melhor estilo do Cinema direto nos faz refletir sobre a própria situação humana. Sobre o estar só e ao mesmo tempo poder estar ligado a diversos outros corações solitários espalhados pelas cidades. Uma espécie de retrato de uma sociedade moderna onde cada um vive seu mundo particular.
Em plena pandemia, essas reflexões ficam ainda mais intensas, o isolamento social a que fomos obrigados desde março vai moldando uma nova forma de interação. De nos adaptar a uma rotina solitária que de alguma forma se reflete nessa obra. O que nos faz pensar também o quanto o mundo já estava doente, muito antes de tudo isso.
Mas tudo isso são reflexões que as imagens nos permitem. Por que Cinema também é isso. Há sutilezas nos não ditos que nos tocam de maneira diversas. A possibilidade de contemplação que o filme de Tsai Ming-liang no dá, nos faz ir além. Nos faz olhar para nós e encarar também nossa própria solidão. Um filme de muitas camadas que o fazem uma experiência imperdível.
Filme visto na 44ª Mostra de Cinema de São Paulo.
Dias (Rizi - Taiwan, 2020)
Direção: Tsai Ming-liang
Roteiro: Tsai Ming-liang
Duração: 127 min.

Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Dias
2020-10-29T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
cinema asiático|critica|drama|mostraSP2020|Tsai Ming-liang|
Assinar:
Postar comentários (Atom)
cadastre-se
Inscreva seu email aqui e acompanhe
os filmes do cinema com a gente:
os filmes do cinema com a gente:
No Cinema podcast
anteriores deste site
mais lidos do site
-
Logo nas primeiras cenas de Atlantique , somos levados ao universo de Dakar , onde os operários empobrecidos deixam de receber seus salários...
-
Rafiki me envolve como uma lufada de ar fresco. Uma história de amor adolescente que rompe o silêncio com coragem e delicadeza. Desde os pr...
-
Desde a primeira imagem de Carandiru (2003), a prisão-prédio-personagem sussurra histórias comprimidas, como corpos na cela superlotada. Al...
-
Assisti Wallay com a sensação de que o que vemos na tela é ao mesmo tempo familiar e invisível: uma história de choque cultural, sim, mas f...
-
Assistindo a Timbuktu (2014), de Abderrahmane Sissako , encontrei um filme que, logo na abertura, revela sua dicotomia: a beleza quase hip...
-
Poucos filmes conseguem atravessar a barreira do drama para se tornar confissão. O Lutador (The Wrestler, 2008), de Darren Aronofsky , é u...
-
Fitzcarraldo (1982) é uma obra que supera qualquer limite do cinema convencional, mergulhando o espectador em uma narrativa tão grandiosa q...
-
Em Alexandria (Ágora), Alejandro Amenábar empreende um mergulho ambicioso no século IV, colocando no centro uma figura rara: Hipátia , pol...
-
Há algo de estranho em revisitar Moonwalker , aquela colagem de videoclipes de 1988 em que Michael Jackson parece ter tentado traduzir seu ...
-
Revisitar Matilda (1996) hoje é como redescobrir um filme que fala com sinceridade com o espectador, com respeito e sem piedade cínica. A ...