Nada mais angustiante do que ver o tempo passar e não conseguir mais distinguir o que é real e fruto de uma mente deteriorada por doença ou simplesmente idade. Meu pai, novo filme do francês Florian Zeller é sobre isso. Indicado a seis Oscars, a obra adaptada de uma peça do próprio diretor e roteirista nos traz a angústia de Anthony, homem que se vê só com sua mente falha quando sua filha diz que irá se mudar para França.
Meu Pai
Nada mais angustiante do que ver o tempo passar e não conseguir mais distinguir o que é real e fruto de uma mente deteriorada por doença ou simplesmente idade. Meu pai, novo filme do francês Florian Zeller é sobre isso. Indicado a seis Oscars, a obra adaptada de uma peça do próprio diretor e roteirista nos traz a angústia de Anthony, homem que se vê só com sua mente falha quando sua filha diz que irá se mudar para França.
Florian Zeller já tinha falado do mal de Alzheimer em A Viagem do Meu Pai. Aqui, a doença não é algo explícito. Não há um diagnóstico, apenas os sinais de confusão mental e demência. Mas também não significa que não se trate disso, afinal, a grande questão na obra é o ponto de vista. Estamos colados a Anthony, sendo assim, tudo é confusão e ilusão, nada está claro. Temos que ir montando o quebra-cabeças com indícios e situações que se repetem ou criam rimas na narrativa.
Praticamente construída em um apartamento, a obra traz uma direção de arte digna das indicações que vem recebendo. Cada detalhe ali importa. As pequenas ou grandes mudanças dos objetos naquela arquitetura vai nos dando as rimas visuais necessárias para não nos deixar tão perdidos quanto Anthony. As informações são construídas nos detalhes. Há uma lógica cíclica que nos envolve e encanta construindo sensações de imersão. Estamos ali, juntos naquele apartamento, naquela narrativa mental e precisamos estar atentos para perceber as portas de saída.
Neste ponto, a montagem também nos guia já que o roteiro não possui uma linearidade tão clara. Tudo é construído em ecos. As personagens se misturam. Lembranças e realidade se confundem. Há uma lógica ilógica nas relações que o protagonista vai fazendo com as situações que enriquecem a experiência. O ritmo da trama também é ditado por uma construção cíclica que a montagem trabalha de maneira precisa. Há respiros, mas eles são poucos e à medida que a narrativa avança e o cérebro do protagonista se deteriora, vão ficando ainda mais curtos.
A interpretação de Anthony Hopkins, claro, ajuda nessa imersão. O ator se entrega com uma verdade impressionante, capaz de entregar expressões que impressionam, em especial pelo olhar perdido e confuso. À medida que o protagonista vai ficando mais confuso, o ator vai nos brindando com uma imersão ainda mais profunda.
Independente da confusão mental, há ali um drama de um homem solitário no fim da vida. Ainda que não consiga distinguir totalmente os fatos, confunda situações e pessoas, não sabendo mais o que é imaginação ou realidade. Ele está só e não pode mais permanecer no apartamento que sempre viveu. Há uma angústia na constatação da incapacidade humana diante de uma velhice não-saudável.
Olivia Colman, como a filha Anne, não fica atrás. Passa com grande habilidade a dor de uma filha que vê seu pai se deteriorando daquela maneira, ao mesmo tempo em que não quer perder sua própria vida. Todo o restante do elenco também dá suporte para esse clima de suspense diante dos acontecimentos. Há um ar de mistério a cada nova peça que chega, nos deixando muitas vezes confusos sobre quem é cada pessoa ali. Destaque para Mark Gatiss que sempre aparece com um aura de suspense.
Meu Pai é uma experiência fílmica que nos envolve do início ao final da projeção. Imergimos na mente de Anthony, construindo uma sensação fílmica instigante. Nosso cérebro vai buscando ligar os pontos para construir sentido, mas o mais importante ali é mesmo o sensorial. A obra nos fisga pelo ponto de vista. Nos colocamos no lugar do protagonista e não é nada agradável essa constatação de que tememos a perda da razão e a solidão.
Direção: Florian Zeller
Roteiro: Christopher Hampton, Florian Zeller
Com: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Mark Gatiss, Olivia Williams, Imogen Poots, Rufus Sewell
Duração: 97 min.

Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Meu Pai
2021-04-08T17:36:00-03:00
Amanda Aouad
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