Tilda Swinton sempre encarou mulheres frias, distantes, que demonstram poucas emoções mesmo em meio a um caos interno como em Precisamos Falar sobre Kevin. Colocá-la para interpretar uma personagem de Almodóvar não deixa de ser uma junção curiosa.
A Voz Humana
Tilda Swinton sempre encarou mulheres frias, distantes, que demonstram poucas emoções mesmo em meio a um caos interno como em Precisamos Falar sobre Kevin. Colocá-la para interpretar uma personagem de Almodóvar não deixa de ser uma junção curiosa.
A Voz Humana, curta-metragem que traz uma primeira obra do diretor espanhol em inglês, é exatamente uma mistura do seu sangue quente espanhol com a fleuma inglesa.
Sim, a protagonista que nem tem nome é uma “mulher a beira de um ataque de nervos”. Seu apartamento é exageradamente colorido, com objetos que saltam aos olhos. E, claro, ela está sofrendo por amor. É como se o diretor espanhol retornasse ao seu início de carreira para apontar um “recomeço” ou uma aproximação de extremos que funciona bem.
Fora uma pequena cena em uma loja, todo o curta acontece dentro do apartamento. Contracenando apenas com um cachorro e um telefone, Tilda Swinton segura a narrativa de uma maneira intensa e envolvente. É curioso como, apesar de alguns indícios clichês, suas ações são imprevisíveis. As metáforas, como a machadada em um terno em cima da cama, trazem camadas.
Talvez a melhor metáfora ou ponto de comparação seja o cão. Ambos abandonados pelo mesmo homem que lidam de maneira diferente com essa sensação de abandono e expectativa angustiante da esperança dele retornar a qualquer momento. A diferença, claro, é que o cão só pode ficar inquieto, enquanto a mulher pode falar e externar sua dor.
O roteiro é envolvente e vamos compreendendo a história aos poucos através do desabafo da mulher sem nunca ouvirmos a voz do homem. Vamos sendo envolvidos e ficando curiosos a medida que a narrativa vai avançando sobre o seu desfecho. A maneira como Almodóvar brinca com nossas expectativas é outro ponto positivo.
É um exercício de linguagem bastante instigante também. Trabalhar os planos naquele cenário construindo a expectativa, jogando com os objetos e o cão. A única coisa que talvez incomode é exatamente esse retrato da mulher ainda desesperada pelo homem que a abandona e que pelo que ouvimos nunca a reconheceu exatamente. Não torná-la uma vítima, no entanto, é positivo, assim como o desfecho da trama. Que a voz de Almodóvar possa ser ouvida, sempre.
Disponível nas plataformas Now, Amazon Prime, Vivo Play, Google Play e YouTube Filmes.
A Voz Humana (The Human Voice, 2020)
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Com: Tilda Swinton
Duração: 30 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Voz Humana
2021-11-05T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
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