A Proposta
Revendo A Proposta, de 2009, salta à vista o curioso equilíbrio que o filme busca entre rigidez e afeto, entre fórmulas conhecidas e pequenos lampejos de frescor. Anne Fletcher, que já vinha de comédias mais leves como Vestida para Casar, conduz a narrativa com mão segura, talvez até demais, apostando na zona de conforto do gênero. Não se trata de uma obra que pretenda reinventar a roda das comédias românticas, mas sim de uma que deseja entregar uma história eficiente, com momentos de humor físico bem encaixados e uma química verdadeira entre seus protagonistas. A fórmula aqui é clara: duas pessoas que não se suportam são obrigadas a conviver e, aos poucos, acabam se apaixonando. O diferencial está menos no "o quê" e mais no "como".
Sandra Bullock interpreta Margaret Tate, uma executiva de uma grande editora em Nova York, fria, exigente e completamente desprovida de afetos. Quando descobre que será deportada por irregularidades em seu visto, ela tem a ideia desesperada e cômica de forçar seu assistente Andrew Paxton, vivido por Ryan Reynolds, a se casar com ela para que possa permanecer no país. A partir daí, segue-se o que já se espera: uma viagem para o Alasca, onde Andrew reencontra sua família, e Margaret precisa fingir ser a noiva apaixonada, enfrentando uma série de situações desconfortáveis que, evidentemente, acabarão por humanizá-la.
É justamente nessa travessia que Bullock oferece um trabalho digno de nota. A transformação de Margaret não é imediata nem forçada. Apesar do roteiro escorregar em algumas convenções do gênero, a atriz consegue trazer uma vulnerabilidade inesperada à personagem. Um dos momentos mais sensíveis do filme é quando ela, sozinha no quarto, folheia um exemplar de Dickens. Um gesto sutil que revela um passado literário e um presente emocionalmente árido. Bullock sabe dosar dureza e fragilidade, construindo uma figura que vai além da caricatura da chefe má.
Ryan Reynolds, por sua vez, entrega um Andrew espirituoso, sarcástico na medida, um homem que claramente está exausto do abuso da chefe, mas que revela camadas de empatia e carinho conforme a relação entre os dois evolui. O timing cômico de Reynolds, aliado à sua presença carismática, sustenta boa parte do filme. A química entre os dois é palpável, especialmente nas cenas mais físicas, como aquela em que ambos se chocam nus no quarto. Um momento genuinamente hilário que depende mais da reação desconfortável dos personagens do que de piadas escancaradas.
A mudança de cenário para o Alasca contribui para a transformação narrativa do filme. A paisagem fria, mas belíssima, fotografada por Oliver Stapleton, serve como pano de fundo para a aproximação dos protagonistas. É ali que Margaret encontra, mesmo que relutantemente, um senso de pertencimento, de família e de humanidade que lhe faltava. A casa da família Paxton, com suas tradições, seus almoços barulhentos e suas excentricidades, oferece à personagem a chance de quebrar o isolamento emocional que a define no início do filme.
Betty White, como a avó de Andrew, é um deleite à parte. Seu humor espirituoso e sua entrega nas cenas mais improváveis, como a icônica dança em volta da fogueira ao som de "U Can’t Touch This", roubam a cena e lembram ao espectador que os coadjuvantes bem escritos são vitais para esse tipo de comédia. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer de todos os personagens secundários, que muitas vezes parecem orbitando a trama apenas para cumprir funções narrativas, sem muito desenvolvimento.
O roteiro de Peter Chiarelli é funcional, mas pouco ousado. A previsibilidade do enredo pesa em alguns momentos, especialmente no clímax, quando Margaret decide ir embora, e Andrew corre atrás para impedi-la. Essa estrutura é tão comum no gênero que o espectador mais atento consegue prever até as falas com antecedência. No entanto, o filme compensa essas obviedades com boas atuações, uma trilha sonora que não compromete e uma direção que, embora sem surpresas, mantém o ritmo constante.
A cena mais marcante do filme talvez seja o pedido de casamento improvisado, feito por Margaret em plena rua, na frente de toda a equipe da editora. Não é só a resolução romântica do conflito, mas também o ápice emocional da personagem. Ali, pela primeira vez, ela se expõe. A postura altiva dá lugar ao desconcerto, e o gesto, ainda que dramatizado, soa honesto. A câmera registra o momento com elegância, sem apelar para close ups melodramáticos ou trilhas chorosas, o que valoriza o sentimento verdadeiro por trás da encenação.
A Proposta não é um clássico moderno, nem se propõe a isso. É uma comédia romântica consciente de sua fórmula, que aposta na força dos seus intérpretes e no charme de situações já testadas. Apesar das falhas, o filme entrega o que promete: risos sinceros, romantismo na medida e um certo calor humano que ainda fica até depois que os créditos sobem. Talvez não seja um filme memorável, mas certamente é daqueles que você não se incomoda em rever, especialmente se estiver em busca de algo leve e, acima de tudo, honesto.
A Proposta (The Proposal, 2009 / Estados Unidos)
Direção: Anne Fletcher
Roteiro: Peter Chiarelli
Com: Sandra Bullock, Ryan Reynolds, Betty White, Mary Steenburgen, Craig T. Nelson
Duração: 108 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
A Proposta
2025-08-11T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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