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Carandiru
Desde a primeira imagem de Carandiru (2003), a prisão-prédio-personagem sussurra histórias comprimidas, como corpos na cela superlotada. Ali, Héctor Babenco usa o realismo como ferramenta visceral. Filmado no próprio presídio que seria implodido, o filme joga o espectador num limbo entre humanidade crua e brutalidade institucional que se desdobra até o massacre final.
É esse realismo desesperado, com elenco vasto, muitos estreantes e ex-detentos, que confere à narrativa uma autenticidade rara, onde cada rosto parece contar uma memória urgente de sobrevivência. Babenco, com sua direção feroz e humanista, jamais permite que a câmera se apaixone por estereótipos ou desvie da violência que ecoa como trovão contido.
O filme não ignora o convívio humano: vê-se um campeonato improvisado de futebol, risos sobrevoando chão duro, familiares abrindo as grades das celas. Nesse breve instante, a prisão deixa de ser prisão: vira cortiço, quase festivo. Mas esse sopro de vida é engolido pela tubular escuridão que se aproxima. É nessa transição que o cinema de Babenco se mostra invencível: nada de exposição gratuita, mas uma direção que coloca esperança antes da queda. E, então, destrói o que criou.
O drama reverbera o massacre de 1992: 111 presos mortos. Aqui, Babenco recusa explicações fáceis, mas percebe-se uma certa simplificação na forma como a rebelião vira massa instantaneamente e a polícia invade como pesadelo. Ainda assim, o choque do áudio pesado e do sangue escorrendo como cachoeira, atinge o espectador com vigor incomum.
O resultado é uma obra que interessa tanto pelos fragmentos de humanidade, com sua diversidade de personagens, quanto pela crueza da brutalidade estatal. A câmera não julga, mas denuncia. O olhar do médico-narrador (Luiz Carlos Vasconcellos) é isento, quase de afeto clínico, e dá forma ao mosaico humano sem cair em moralismo fácil.
Mas Carandiru não é perfeito. A ausência de profundidade em narrativas pessoais, a pressa em desenrolar o contexto da rebelião e a representação dos policiais como monstros sem nuances reduzem uma tragédia histórica ao lirismo simbólico, quando poderia ser mais complexa.
Mesmo assim, o filme segue como um dos retratos mais poderosos do sistema prisional brasileiro. É drama, denúncia e poesia visual misturados. A superlotação, o espectro da AIDS, as relações humanas em grades: tudo dialoga com uma sociedade que prefere ignorar a violência de Estado. E esse peso ninguém pode esquecer.
Carandiru (2003 / Brasil)
Direção: Héctor Babenco
Roteiro: Héctor Babenco, Victor Navas, Fernando Bonassi
Com: Rodrigo Santoro, Wagner Moura, Caio Blat, Luiz Carlos Vasconcelos, Lázaro Ramos, Milton Gonçalves, Gero Camilo
Duração: 145 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Carandiru
2025-09-22T08:30:00-03:00
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