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Uma Babá Quase Perfeita
Uma Babá Quase Perfeita
Uma Babá Quase Perfeita é o tipo de comédia que nasce de uma ideia prodigiosamente simples e perigosa: um pai divorciado se veste de babá britânica para ficar perto dos filhos. Simples porque bastam poucos minutos para entender tudo; perigosa porque, se a execução patina, a fantasia desmonta na nossa frente. O que mantém o filme respirando é a combustão quase incontrolável de Robin Williams.
Williams, aqui, é uma usina de vozes, trejeitos e desvios. A abertura aproveita sua habilidade de dublador para estabelecer um repertório que o filme vai explorar repetidamente, às vezes com graça genuína, às vezes como se a narrativa apertasse o freio para explorar as gags do ator. O momento em que ele desfila doze vozes perante a conselheira de emprego é exemplar. Engraçado, mas incômodo, já que nos lembra que a criatividade performática não deve substituir a carpintaria dramática.
O recorte familiar é o eixo emocional. Quando Miranda (Sally Field) pede o divórcio e a guarda limitadíssima cai sobre Daniel, a comédia anda de mãos dadas com um tipo de dor essencial para que o filme fale com pais e filhos: o senso de que as crianças ancoram os adultos, mesmo quando os adultos derrapam. É nesse ponto que a persona de Williams encontra a outra metade do filme. A mensagem de um pai irresponsável que precisa, paradoxalmente, vestir uma idosa severa para aprender limites.
Chris Columbus dirige com a mão de um fabricante de sucesso. O ritmo é ágil, possui gags bem servidas e um pacote comercial irresistível, mas também há uma curva emocional que puxa o filme para uma sentimentalidade transbordante no segundo ato. Não é que o humor desaparece, ele muda de temperatura. A imagem de Williams, em chamas, tentando apagar o fogo da fantasia cristaliza o que o diretor faz de melhor: humor físico direto, sem mais camadas do que o necessário. É eficiente, é popular, e às vezes é só isso.
Comparações são inevitáveis. Não tem como não lembrar de Tootsie, mas na sequência do restaurante, com Daniel e Mrs. Doubtfire obrigados a coexistir, trocando perucas e personas entre mesas e banheiros, temos o tipo de humor Robin Williams que vale o nosso tempo. O problema é que esse clímax chega tarde e a sensação de usar todas as ferramentas do ator para tentar escapar das comparações acompanha o texto todo.
Quanto às atuações ao redor, Sally Field funciona como contrapeso: a mãe realista, exausta das irresponsabilidades do ex-marido, e que sustenta a verossimilhança do drama doméstico. O fato dela não perceber o disfarce é peça fundamental para que a farsa gire sem quebrar. Pierce Brosnan, o Stu que reacende fantasmas românticos de Miranda, vira obstáculo e espelho: ao mesmo tempo que aciona a insegurança de Daniel, dá ao filme um alvo para o ciúme cômico do protagonista. Uma triangulação que é combustível da parte final, quando tudo conflui para o restaurante.
O disfarce em si é um trabalho de maquiagem e protética suficientemente bom para aceitarmos a premissa, mas com irregularidades. A verdade dramática, no entanto, não está no quão perfeito é a fantasia, e sim no que essa peruca e esse silicone obrigam Daniel a encarar: tarefas domésticas, rotina, limites, escuta. Os filhos se transformam em bússola moral e a figura de Mrs. Doubtfire traz uma pedagogia rígida que, ironicamente, faltava ao próprio Daniel.
Há, sim, um ponto em que o filme se divide para mim. Quando Columbus permite que o melodrama se expanda, o humor parece ocupar a função de aliviar a ardência de uma separação difícil e não um olhar mais profundo sobre a falha masculina que detonou esse casamento. A forma como tudo se acomoda no final, com um equilíbrio menos ferido, soa confortável, mas também polida demais. Ainda assim, a sequência do restaurante é um case de construção cômica clássica, com obstáculos claros, alternância de espaços e aceleração física que converte ansiedade em riso; é nela que Williams e o filme enfim respiram o mesmo ar.
Entre pontos positivos, podemos destacar o virtuosismo cômico de Robin Williams, a eficácia de cenas como o restaurante e de humor físico, a capacidade de tocar o tema do divórcio e custódia sem espantar um público familiar e a engenharia comercial de Columbus, que soube como embalar tudo isso em um produto acessível. Já como pontos negativos, temos a sentimentalidade crescente que puxa o filme para soluções fáceis, a excessiva dependência das ferramentas de Robin Williams, que às vezes travam a narrativa, a comparação desfavorável com Tootsie e a ambiguidade do disfarce, que surge ora convincente, ora um verniz grosso que pede boa vontade.
No fim, Uma Babá Quase Perfeita é menos sobre enganar a família e mais sobre se enganar. A persona disciplinadora que Daniel inventa para si funciona como freio e espelho e, quando o filme encontra esse tom, deixa de ser uma maratona de piadas e vira um acerto de contas suave com a própria imaturidade. E talvez seja por isso que, apesar de algumas reservas, ainda se pode rir com certo carinho quando a peruca ameaça cair.
Uma Babá Quase Perfeita (Mrs. Doubtfire, 1993 / Estados Unidos)
Direção: Chris Columbus
Roteiro: Randi Mayem Singer, Leslie Dixon
Com: Robin Williams, Sally Field, Pierce Brosnan, Harvey Fierstein
Duração: 125 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Uma Babá Quase Perfeita
2025-10-13T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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