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O retrato de Dorian Gray
O retrato de Dorian Gray
Publicado por Oscar Wilde em 1890, O Retrato de Dorian Gray causou grande polêmica na Inglaterra pelo seu teor homoerótico e pela crítica a uma juventude decadente da era vitoriana. Lembro ainda da adaptação do livro de 1945 dirigida por Albert Lewin, ainda em preto e branco, valorizando o suspense, a tensão mística do quadro que nunca era mostrado. Aí, chega aos cinemas a versão de Oliver Parker, uma adaptação contemporânea, que ao mesmo tempo que mostra com mais detalhes as orgias sexuais de Dorian, o torna mais humano, um garoto puro, corrompido e digno de pena.
A história, a maioria deve conhecer. Herdeiro de uma fortuna, Dorian Gray é um rapaz ingênuo que começa a mudar sua visão do mundo por influência do lorde Henry Wotton. Para completar sua sina, Basil Hallward, um pintor amigo, presenteia o rapaz com um quadro quase sobrenatural de tão perfeito. Um estranho pacto é feito. Gray se torna a pintura em movimento, nada em sua aparência se modifica, enquanto o retrato passa a registrar todas as marcas, não apenas físicas, mas de sua alma que apodrece aos poucos. É um mito perfeito. Mistura de Narciso com Don Juan, Dorian Gray tem a juventude e a beleza eterna para usufruir de toda as suas inconsequências.
Oliver Parker deixa em sua versão bem claro esse jogo de inversão de papéis entre essência e aparência. Logo no início vemos uma fusão do personagem com o quadro. Esse recurso é utilizado várias vezes durante a projeção, assim como a presença de espelhos e o jogo de reflexos. Isto é interessante, cheio de metáforas imagéticas. Mas, ao mesmo tempo que brinca com os recursos, Parker acaba se perdendo no principal. O medo que temos daquele quadro em nossa imaginação. O filme nos mostra o tempo todo o tal retrato apodrecendo, chegando ao cúmulo de um efeito demoníaco próximo do fim. Isso tirou um pouco do charme da obra. Chegando a ser incômodo em alguns momentos.
Outra questão é a construção de Dorian Gray. Sim, ele continua um rapaz ingênuo que vai se corrompendo. Mas, parece que Ben Barnes nunca chega a se tornar de fato um monstro. Apesar de ainda se passar no século XIX, há uma atmosfera de contemporaneidade na ação do personagem, que se tornou pop após a desastrosa aparição no filme também desastroso A Liga Extraordinária. Há sempre uma consciência pesada, um momento de reflexão, uma sensação de quase pedido de perdão. Nem com todas as orgias sexuais, muito bem produzidas por sinal, ele se transforma no mito aos nossos olhos. Parece que algo se tornou banal. E a raiva acaba sendo direcionada ao Lorde Henry Wotton, em ótima interpretação de Colin Firth. Ele é o malvado corruptor de almas que fez Dorian cair em tentação. Enquanto o pintor Basil Hallward é o que proporciona, ainda que sem querer, toda essa transformação.
Aliás, a atuação de Ben Chaplin é um destaque a parte. Desde o primeiro segundo, percebemos o desejo contido, os olhares, a dedicação ao quadro sem precisar explicitar que algo sobrenatural parece estar acontecendo enquanto pinta. Sua lucidez e dignidade ao se deixar levar pelo desejo é na medida certa. Ele sofre, sente, vivencia cada passo da trajetória de seu objeto de desejo em um caminho sem volta. E fotografia e direção acompanham tudo isso com atenção aos detalhes. Uma mão que pincela a tela de uma forma quase mediúnica. Um olhar de desejo em close. Um sombreamento em parte do rosto após uma notícia ruim. Um movimento de câmera que segue o seu pensamento.
Em determinado momento, Dorian Gray diz que "algumas coisas são mais preciosas porque não duram". É a ironia do que queria passar Oscar Wilde. A busca pela eterna juventude a banaliza. Tudo uma hora cansa. O grande trunfo do filme O Retrato de Dorian Gray é ser baseado em uma obra tão forte e fascinante. A técnica nem precisa ser perfeita, vai sempre nos passar uma sensação de que vimos algo muito interessante. E é mesmo uma alegria quando ainda podemos entrar no cinema para ver uma obra dessas.
O Retrato de Dorian Gray (Dorian Gray: 2009 (Reino Unido)
Direção: Oliver Parker
Roteiro: Toby Finlay,
Com: Ben Barnes, Colin Firth, Ben Chaplin, Rebecca Hall.
Duração: 112 min.
A história, a maioria deve conhecer. Herdeiro de uma fortuna, Dorian Gray é um rapaz ingênuo que começa a mudar sua visão do mundo por influência do lorde Henry Wotton. Para completar sua sina, Basil Hallward, um pintor amigo, presenteia o rapaz com um quadro quase sobrenatural de tão perfeito. Um estranho pacto é feito. Gray se torna a pintura em movimento, nada em sua aparência se modifica, enquanto o retrato passa a registrar todas as marcas, não apenas físicas, mas de sua alma que apodrece aos poucos. É um mito perfeito. Mistura de Narciso com Don Juan, Dorian Gray tem a juventude e a beleza eterna para usufruir de toda as suas inconsequências.
Oliver Parker deixa em sua versão bem claro esse jogo de inversão de papéis entre essência e aparência. Logo no início vemos uma fusão do personagem com o quadro. Esse recurso é utilizado várias vezes durante a projeção, assim como a presença de espelhos e o jogo de reflexos. Isto é interessante, cheio de metáforas imagéticas. Mas, ao mesmo tempo que brinca com os recursos, Parker acaba se perdendo no principal. O medo que temos daquele quadro em nossa imaginação. O filme nos mostra o tempo todo o tal retrato apodrecendo, chegando ao cúmulo de um efeito demoníaco próximo do fim. Isso tirou um pouco do charme da obra. Chegando a ser incômodo em alguns momentos.
Outra questão é a construção de Dorian Gray. Sim, ele continua um rapaz ingênuo que vai se corrompendo. Mas, parece que Ben Barnes nunca chega a se tornar de fato um monstro. Apesar de ainda se passar no século XIX, há uma atmosfera de contemporaneidade na ação do personagem, que se tornou pop após a desastrosa aparição no filme também desastroso A Liga Extraordinária. Há sempre uma consciência pesada, um momento de reflexão, uma sensação de quase pedido de perdão. Nem com todas as orgias sexuais, muito bem produzidas por sinal, ele se transforma no mito aos nossos olhos. Parece que algo se tornou banal. E a raiva acaba sendo direcionada ao Lorde Henry Wotton, em ótima interpretação de Colin Firth. Ele é o malvado corruptor de almas que fez Dorian cair em tentação. Enquanto o pintor Basil Hallward é o que proporciona, ainda que sem querer, toda essa transformação.
Aliás, a atuação de Ben Chaplin é um destaque a parte. Desde o primeiro segundo, percebemos o desejo contido, os olhares, a dedicação ao quadro sem precisar explicitar que algo sobrenatural parece estar acontecendo enquanto pinta. Sua lucidez e dignidade ao se deixar levar pelo desejo é na medida certa. Ele sofre, sente, vivencia cada passo da trajetória de seu objeto de desejo em um caminho sem volta. E fotografia e direção acompanham tudo isso com atenção aos detalhes. Uma mão que pincela a tela de uma forma quase mediúnica. Um olhar de desejo em close. Um sombreamento em parte do rosto após uma notícia ruim. Um movimento de câmera que segue o seu pensamento.
Em determinado momento, Dorian Gray diz que "algumas coisas são mais preciosas porque não duram". É a ironia do que queria passar Oscar Wilde. A busca pela eterna juventude a banaliza. Tudo uma hora cansa. O grande trunfo do filme O Retrato de Dorian Gray é ser baseado em uma obra tão forte e fascinante. A técnica nem precisa ser perfeita, vai sempre nos passar uma sensação de que vimos algo muito interessante. E é mesmo uma alegria quando ainda podemos entrar no cinema para ver uma obra dessas.
O Retrato de Dorian Gray (Dorian Gray: 2009 (Reino Unido)
Direção: Oliver Parker
Roteiro: Toby Finlay,
Com: Ben Barnes, Colin Firth, Ben Chaplin, Rebecca Hall.
Duração: 112 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O retrato de Dorian Gray
2011-05-21T08:29:00-03:00
Amanda Aouad
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