Minhas Tardes com Margueritte
Uma tarde, uma praça, treze pombos, duas almas completamente distintas e um encontro que mudará completamente a vida dessas duas pessoas. Este é o resumo de Minhas Tardes com Margueritte, filme de Jean Becker. A mãe louca, a infância infeliz de Germain, os amigos no bar que o chamam de idiota, sua namorada apaixonada ou mesmo os sobrinhos de Margueritte são apenas pretexto para o que realmente importa. O amor, a cumplicidade, a amizade que surge entre os dois, a partir de conversas triviais e leituras de romances conhecidos como A Peste de Albert Camus.
Gérard Depardieu é Germain Chazes um homem de um coração imenso que chega a ser ingênuo, mas com uma dificuldade intelectual visível. Nunca completou o primário, lê com muita dificuldade e não tem capacidade de perceber as entrelinhas das relações humanas. É considerado por todos um idiota completo e só consegue carinho de Annette, sua namorada, que vê nele algo mais do que a aparente confusão. Uma tarde, ele encontra em um banco de praça a senhora Margueritte, vivida por Gisèle Casadesus. Frágil, doce e com uma paciência imensa, a simpática senhora passa a trocar ideias com aquele homem enorme, ensinando-lhe e lendo para ele romances que lhe apetecem. Desses encontros surge uma amizade indissolúvel que ajuda Germain a encarar a vida com outros olhos.
Encontros preciosos como esse já surgiram no cinema, vide Conduzindo Miss Daisy ou Ensina-me a Viver. Em Minhas Tardes com Margueritte a trama se torna mais simples do que uma relação tumultuada de patroa e empregado, ou das neuroses de um jovem que quer se suicidar. Germain é simples por demais para exigir qualquer coisa de Margueritte, ele apenas vai se envolvendo com aqueles encontros, sem nem se dar conta do quanto passa a precisar dele. São detalhes como guardar seu lugar no banco, se arrumar e colher flores para visitá-la, ou a vergonha de não saber qual a utilidade de um dicionário. Tudo corre de uma forma natural, mesmo sua rotina de trabalho, ou diversão no bar Francine são feitas quase no automático à espera da nova tarde onde encontrará aquela simpática senhora.
A construção de sua mãe interpretada por Claire Maurier (quando velha) e Anne Le Guernec (quando jovem) é algo que chama a atenção. Sem o menor instinto materno, a mulher xinga o filho a cada situação, construindo um clima de guerra eterno que poderia deixar qualquer um traumatizado e precisando de anos de análise. Mas, Germain apenas seguiu a sua vida, como uma criança grande que sabe se virar, alimentando-se dos vegetais que planta para vender. Faltou-lhe o carinho de mãe, é verdade, mas ele seguiu em frente, não se revoltou e apesar dos roupantes de raiva quando encontra com a genitora, sempre cuida dela. Talvez, essa carência tenha feito o homem se encantar tanto por Margueritte, que é o oposto de sua mãe em todos os sentidos, cuidadosa, carinhosa, gentil, culta. Não há como não se encantar com aquela senhora.
Baseado no livro de Marie-Sabine Roger, o roteiro do próprio Jean Becker, com Jean-Loup Dabadie constrói bem esses momentos, mesclando a rotina de Germain em casa, com os amigos, com a noiva, ou com a mãe maluca, com flashbacks de sua infância, sempre em um tom acima do natural, divertido, para construir com leveza todo absurdo que a vida daquela pessoa desprezada, mas feliz. Mas, quando ele está com Margueritte na praça, o ritmo da trama muda, fica mais agradável, com menos piadas, com um toque emocional até. O humor vem apenas da imaginação de Germain para as histórias que ela conta. Interessante registrar que essa imaginação é construída com imagens em preto e branco, o que nos dá uma sensação de irreal. Até porque a imaginação do personagem acaba exagerando as palavras que ouve.
E irreal também é a vida de Germain longe de Margueritte. Ele é o bobo da turma, sempre alvo de piadas e brincadeiras diversas. Tratado também como "garoto problema", que precisa ser barrado a cada comentário infeliz. Sua relação com Annette também parece pouco palpável, o que aquela bela jovem vê no velho e gordo Gérard Depardieu? Enxergou através de sua alma, pode parecer meio forçado. Agora, por mais que seu encontro com aquela velhinha simpática e letrada também possa soar irreal, há algo de extremamente verdadeiro e singelo naquela relação que nos convence. E nisso está a grande diferença do tom que o filme construído em cada um dos momentos.
Minhas Tardes com Margueritte acaba sendo um encontro de almas inexplicável. Uma história de amor sem "eu te amo", como ressalta o poema final. Uma história singela, com uma construção simples, mas que cativa. Sem maiores pretensões. Apenas uma tarde para dar comida aos pombos e ler um bom livro com um amigo.
Minhas Tardes com Margueritte (La tête en friche, 2010 / França)
Direção: Jean Becker
Roteiro: Jean Becker e Jean-Loup Dabadie
Com: Gérard Depardieu, Gisèle Casadesus, Maurane
Duração: 82 min.
Gérard Depardieu é Germain Chazes um homem de um coração imenso que chega a ser ingênuo, mas com uma dificuldade intelectual visível. Nunca completou o primário, lê com muita dificuldade e não tem capacidade de perceber as entrelinhas das relações humanas. É considerado por todos um idiota completo e só consegue carinho de Annette, sua namorada, que vê nele algo mais do que a aparente confusão. Uma tarde, ele encontra em um banco de praça a senhora Margueritte, vivida por Gisèle Casadesus. Frágil, doce e com uma paciência imensa, a simpática senhora passa a trocar ideias com aquele homem enorme, ensinando-lhe e lendo para ele romances que lhe apetecem. Desses encontros surge uma amizade indissolúvel que ajuda Germain a encarar a vida com outros olhos.
Encontros preciosos como esse já surgiram no cinema, vide Conduzindo Miss Daisy ou Ensina-me a Viver. Em Minhas Tardes com Margueritte a trama se torna mais simples do que uma relação tumultuada de patroa e empregado, ou das neuroses de um jovem que quer se suicidar. Germain é simples por demais para exigir qualquer coisa de Margueritte, ele apenas vai se envolvendo com aqueles encontros, sem nem se dar conta do quanto passa a precisar dele. São detalhes como guardar seu lugar no banco, se arrumar e colher flores para visitá-la, ou a vergonha de não saber qual a utilidade de um dicionário. Tudo corre de uma forma natural, mesmo sua rotina de trabalho, ou diversão no bar Francine são feitas quase no automático à espera da nova tarde onde encontrará aquela simpática senhora.
A construção de sua mãe interpretada por Claire Maurier (quando velha) e Anne Le Guernec (quando jovem) é algo que chama a atenção. Sem o menor instinto materno, a mulher xinga o filho a cada situação, construindo um clima de guerra eterno que poderia deixar qualquer um traumatizado e precisando de anos de análise. Mas, Germain apenas seguiu a sua vida, como uma criança grande que sabe se virar, alimentando-se dos vegetais que planta para vender. Faltou-lhe o carinho de mãe, é verdade, mas ele seguiu em frente, não se revoltou e apesar dos roupantes de raiva quando encontra com a genitora, sempre cuida dela. Talvez, essa carência tenha feito o homem se encantar tanto por Margueritte, que é o oposto de sua mãe em todos os sentidos, cuidadosa, carinhosa, gentil, culta. Não há como não se encantar com aquela senhora.
Baseado no livro de Marie-Sabine Roger, o roteiro do próprio Jean Becker, com Jean-Loup Dabadie constrói bem esses momentos, mesclando a rotina de Germain em casa, com os amigos, com a noiva, ou com a mãe maluca, com flashbacks de sua infância, sempre em um tom acima do natural, divertido, para construir com leveza todo absurdo que a vida daquela pessoa desprezada, mas feliz. Mas, quando ele está com Margueritte na praça, o ritmo da trama muda, fica mais agradável, com menos piadas, com um toque emocional até. O humor vem apenas da imaginação de Germain para as histórias que ela conta. Interessante registrar que essa imaginação é construída com imagens em preto e branco, o que nos dá uma sensação de irreal. Até porque a imaginação do personagem acaba exagerando as palavras que ouve.
E irreal também é a vida de Germain longe de Margueritte. Ele é o bobo da turma, sempre alvo de piadas e brincadeiras diversas. Tratado também como "garoto problema", que precisa ser barrado a cada comentário infeliz. Sua relação com Annette também parece pouco palpável, o que aquela bela jovem vê no velho e gordo Gérard Depardieu? Enxergou através de sua alma, pode parecer meio forçado. Agora, por mais que seu encontro com aquela velhinha simpática e letrada também possa soar irreal, há algo de extremamente verdadeiro e singelo naquela relação que nos convence. E nisso está a grande diferença do tom que o filme construído em cada um dos momentos.
Minhas Tardes com Margueritte acaba sendo um encontro de almas inexplicável. Uma história de amor sem "eu te amo", como ressalta o poema final. Uma história singela, com uma construção simples, mas que cativa. Sem maiores pretensões. Apenas uma tarde para dar comida aos pombos e ler um bom livro com um amigo.
Minhas Tardes com Margueritte (La tête en friche, 2010 / França)
Direção: Jean Becker
Roteiro: Jean Becker e Jean-Loup Dabadie
Com: Gérard Depardieu, Gisèle Casadesus, Maurane
Duração: 82 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Minhas Tardes com Margueritte
2012-04-16T08:55:00-03:00
Amanda Aouad
cinema europeu|critica|drama|Gerard Depardieu|
Assinar:
Postar comentários (Atom)
cadastre-se
Inscreva seu email aqui e acompanhe
os filmes do cinema com a gente:
os filmes do cinema com a gente:
No Cinema podcast
anteriores deste site
mais populares do site
-
Em cartaz nos cinemas com o filme Retrato de um Certo Oriente , Marcelo Gomes trouxe à abertura do 57º Festival do Cinema Brasileiro uma ...
-
O Soterópolis programa cultural da TVE Bahia, fez uma matéria muito interessante sobre blogs baianos. Esta que vos fala deu uma pequena con...
-
O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro , em sua 57ª edição, reafirma sua posição como o mais longevo e tradicional evento dedicado ao c...
-
Cinema Sherlock Homes O filme de destaque atualmente é esta releitura do clássico do mistério pelas mãos de Guy Ritchie. O ex de Madonna p...
-
Casamento Grego (2002), dirigido por Joel Zwick e escrito por Nia Vardalos , é um dos filmes mais emblemáticos quando o assunto é risco e...
-
O CinePipocaCult adverte: se você sofre de claustrofobia, síndrome do pânico ou problemas cardíacos é melhor evitar esse filme. Brincadeiras...
-
Fui ao cinema sem grandes pretensões. Não esperava um novo Matrix, nem mesmo um grande filme de ação. Difícil definir Gamer, que recebeu du...
-
Eletrizante é a melhor palavra para definir esse filme de Tony Scott . Que o diretor sabe fazer filmes de ação não é novidade, mas uma tra...
-
Oito anos após Moana conquistar o oceano e nossos corações, a jovem polinésia retorna às telas em uma nova aventura que se passa três ano...