Baseado no livro de Orson Scott Card, Ender's Game acabou envolvido em polêmicas por causa das declarações homofóbicas deste autor. O próprio Harrison Ford teve que comentar o assunto na Comic Con e deixou claro que o filme não tem nada com isso. Scott Card perdeu quando o Supremo Tribunal oficializou o casamento gay. O filme trata de outras questões que valem uma reflexão.Na trama, estamos em um futuro onde a Terra sobreviveu a um ataque feroz de uma raça alienígena intitulada de Formics, graças ao heroísmo de um soldado chamada Mazer Rackham. Sua lenda foi passada de gerações a gerações enquanto jovens são treinados para se tornar um novo líder. Um programa especial faz seleções rigorosas e os leva em etapas. Procurando o líder perfeito, o Coronel Graff, vivido por Harrison Ford, se depara com o jovem Ender Wiggin, interpretado por Asa Butterfield e acha que sua busca terminou.
Há um certo despropósito na trama criada que incomoda em diversos momentos. Tudo bem que um ataque alienígena é um trauma, mas as pessoas passarem a viver eternamente em função de um possível novo ataque soa estranho. E mais estranho ainda que após tantos anos de espera sem resposta, prefira simplesmente ir atrás do inimigo para atacar, em vez de se defender como era o plano inicial, nos tornando piores que eles. Essa dubiedade está em tudo durante o filme, principalmente no que diz respeito ao garoto Ender Wiggin que a todo momento é cobrado por atitudes. Em um momento, Graff vibra porque ele bateu em um garoto, em outro, brada porque ele não pode se tornar um "psicopata" como o irmão. Tudo isso, enquanto ele próprio quer exterminar uma raça porque um dia ela foi uma ameaça ao nosso planeta.
Tudo é estratégia, ele se defende. Não importa o ato, mas o porquê de o ter realizado. O que o encanta em Ender é a capacidade estratégica do garoto. E isso não podemos negar que ele tenha em excesso. É mesmo impressionante a forma como ele tem uma visão geral do "campo" de batalha e como cria estratégias impensáveis por outros para atingir os objetivos. Porém, ainda que seja tudo isso, é muito esquisito a forma como ele vai subindo de posto de maneira tão rápida. Um desespero que não parece justificado e que, quando revelado os detalhes, se torna quase doentio. Talvez por isso, a personagem de Viola Davis, que parecia a única sensata, simplesmente desapareça em determinado momento da trama. Este sumiço é ainda mais estranho levando em conta certas atitudes de Ender.
De qualquer maneira, o visual do filme impressiona. Tudo é grandioso, bem desenvolvido e com boas cenas de batalhas, com uma câmera que imerge no cenário de uma forma que nos sentimos ali, flutuando junto com eles. Já o roteiro, apesar de adaptado, se demonstra original. Ou seja, traz algo a mais em um cenário de ideias requentadas com uma discussão interessante sobre a humanidade e suas atitudes. Porém, que é construído em etapas rígidas de uma rotina militar. Asa Butterfield também merece destaque com uma atuação segura e uma entrega a um personagem tão complexo como Ender. Um garoto bom, que ama sua irmã e só quer que o mundo se livre de uma ameaça. Ao mesmo tempo que tem um talento incrível, traz consigo impulsos que o assustam. E tudo parece estar na filosofia que carrega onde acredita que para derrotar um inimigo é preciso conhecê-lo. Mas, ao conhecê-lo, ele vai acabar fatalmente o amando.
Ender's Game, que ganhou o desnecessário subtítulo o Jogo do Exterminador, só por causa do nome do livro em português, acaba sendo um filme complexo e contraditório, ainda que tenha bons momentos. Parece que somos anestesiados por 114 minutos e, no final, não temos a consciência plena do que acabamos de assistir. Ainda assim, faz pensar, e só por isso, já é válido.
Ender's Game - O Jogo do Exterminador (Ender's Game, 2013 / EUA)
Direção: Gavin Hood
Roteiro: Gavin Hood
Com: Harrison Ford, Asa Butterfield, Hailee Steinfeld, Abigail Breslin, Viola Davis, Ben Kingsley
Duração: 114 min.
