The Square
Candidato ao Oscar de Melhor Documentário, The Square já está disponível no Netflix para os brasileiros poderem conferir e compreender melhor o processo político pelo qual passa o Egito desde 2011 quando a população invadiu a praça Tahrir exigindo o fim do regime ditatorial. The Square é um documentário essencial enquanto compreensão política e humanitária, ainda que esteticamente seja quase precário e pouco conclusivo.
A História é sábia, ela só se debruça sobre os fatos anos após seus acontecimentos, para poder compreender melhor o que aquilo significa. Mas, o nosso mundo globalizado e a necessidade de denúncia torna alguns fatos urgentes. Assim é a história recente do Egito que, na verdade, ainda está em processo de reconstrução. Em 2011, quando o povo invadiu a praça Tahrir e depôs o ditador Hosni Mubarak, nada estava definido. O exército manteve-se no poder até as eleições quando o islamita Mohammed Mursi ganhou, gerando ainda mais insatisfação nos revolucionários, também caindo. E agora, eles continuam lutando para construir a verdadeira democracia no país.
É isto que o filme tenta nos mostrar, este processo criado de dentro do centro de efervescência revolucionária. Através da narração do rapaz Ahmed Hassan, com muita contribuição do ator Khalid Abdalla (que fez Caçadores de Pipas), vamos conhecendo todas as etapas da revolução, seus anseios, seus sonhos, seus medos, suas revoltas.
A revolução do Egito foi marcada pela forte presença das redes sociais. Enquanto a mídia tradicional e o governo tentavam mascarar as notícias, lá era possível mostrar a verdade de perto. Algo parecido com o que aconteceu nas manifestações do Brasil ano passado, em proporções menores, é claro. É a voz do povo que não se cala e não é manipulada e que foi transposta para o documentário, mantendo a mesma linguagem de tela. Temos, inclusive cena da tela do computador, vídeos no Youtube, diversas mídias gravando e compartilhando imagens.
O ator Khalid Abdalla tenta utilizar sua influência para se comunicar com o mundo. Vemos ele sendo entrevistado por um jornal norte-americano, conversando com o pai via Skype, discutindo estratégias, discursando para o povo, gravando vídeos diversos. Tudo isso vai sendo construído no filme junto com as observações de Ahmed, suas reflexões e acontecimentos a cada época.
As etapas desenvolvidas no filme são bastante claras e diretas. O país ainda sob o regime de Hosni Mubarak até a sua queda são o primeiro ato. Entendemos melhor a realidade ali presente, a movimentação que levou as pessoas para as ruas, as manifestações, a renúncia. A cena em que a praça Tahrir comemora a saída do ditador é a mais emocionante do filme. Não apenas pela felicidade estampada em seus rostos, mas pelas incógnitas de futuro.
O segundo ato é essa tentativa de transição que passa pelo exército e pela irmandade islâmica. O grupo se junta aos revolucionários na praça, mas acabam fazendo acordos com os militares e são acusados de traição pelos manifestantes. O jogo de interesses políticos perpassa boa parte do filme, tendo uma visão macro e outra bastante particular focada no rapaz Ahmed e no islamita Magdy, amigo dele, que começou com o grupo e se viu em uma situação delicada de escolha política e religiosa. Enquanto o terceiro ato é a perspectiva de futuro e tentativas de análises da revolução.
O filme é bastante franco e não poupa nenhuma questão, expondo torturas, discussões ideológicas contrárias e até cenas de violência extrema como o grupo de cristãos sendo atropelados por tanques do exército que impediam sua entrada na televisão estatal. Tudo isso recheado de depoimentos de todos os lados, inclusive de integrantes do exército que buscam justificar atitudes e negar fatos que estão expostos em imagens e vídeos.
The Square ainda não é o documentário definitivo sobre a revolução, até por sua construção recente. É preciso muita caminhada. Não se muda um país, não se institui uma democracia, nem é possível ver frutos sociais em apenas três anos. O Egito ainda tem um bom caminho a percorrer junto com seus revolucionários. Mas, a capacidade de expor a questão de dentro do movimento torna o filme um marco importante para toda a humanidade.
The Square (2013, Egito)
Direção: Jehane Noujaim
Roteiro: Jehane Noujaim
Duração: 108 min.
A História é sábia, ela só se debruça sobre os fatos anos após seus acontecimentos, para poder compreender melhor o que aquilo significa. Mas, o nosso mundo globalizado e a necessidade de denúncia torna alguns fatos urgentes. Assim é a história recente do Egito que, na verdade, ainda está em processo de reconstrução. Em 2011, quando o povo invadiu a praça Tahrir e depôs o ditador Hosni Mubarak, nada estava definido. O exército manteve-se no poder até as eleições quando o islamita Mohammed Mursi ganhou, gerando ainda mais insatisfação nos revolucionários, também caindo. E agora, eles continuam lutando para construir a verdadeira democracia no país.
É isto que o filme tenta nos mostrar, este processo criado de dentro do centro de efervescência revolucionária. Através da narração do rapaz Ahmed Hassan, com muita contribuição do ator Khalid Abdalla (que fez Caçadores de Pipas), vamos conhecendo todas as etapas da revolução, seus anseios, seus sonhos, seus medos, suas revoltas.
A revolução do Egito foi marcada pela forte presença das redes sociais. Enquanto a mídia tradicional e o governo tentavam mascarar as notícias, lá era possível mostrar a verdade de perto. Algo parecido com o que aconteceu nas manifestações do Brasil ano passado, em proporções menores, é claro. É a voz do povo que não se cala e não é manipulada e que foi transposta para o documentário, mantendo a mesma linguagem de tela. Temos, inclusive cena da tela do computador, vídeos no Youtube, diversas mídias gravando e compartilhando imagens.
O ator Khalid Abdalla tenta utilizar sua influência para se comunicar com o mundo. Vemos ele sendo entrevistado por um jornal norte-americano, conversando com o pai via Skype, discutindo estratégias, discursando para o povo, gravando vídeos diversos. Tudo isso vai sendo construído no filme junto com as observações de Ahmed, suas reflexões e acontecimentos a cada época.
As etapas desenvolvidas no filme são bastante claras e diretas. O país ainda sob o regime de Hosni Mubarak até a sua queda são o primeiro ato. Entendemos melhor a realidade ali presente, a movimentação que levou as pessoas para as ruas, as manifestações, a renúncia. A cena em que a praça Tahrir comemora a saída do ditador é a mais emocionante do filme. Não apenas pela felicidade estampada em seus rostos, mas pelas incógnitas de futuro.
O segundo ato é essa tentativa de transição que passa pelo exército e pela irmandade islâmica. O grupo se junta aos revolucionários na praça, mas acabam fazendo acordos com os militares e são acusados de traição pelos manifestantes. O jogo de interesses políticos perpassa boa parte do filme, tendo uma visão macro e outra bastante particular focada no rapaz Ahmed e no islamita Magdy, amigo dele, que começou com o grupo e se viu em uma situação delicada de escolha política e religiosa. Enquanto o terceiro ato é a perspectiva de futuro e tentativas de análises da revolução.
O filme é bastante franco e não poupa nenhuma questão, expondo torturas, discussões ideológicas contrárias e até cenas de violência extrema como o grupo de cristãos sendo atropelados por tanques do exército que impediam sua entrada na televisão estatal. Tudo isso recheado de depoimentos de todos os lados, inclusive de integrantes do exército que buscam justificar atitudes e negar fatos que estão expostos em imagens e vídeos.
The Square ainda não é o documentário definitivo sobre a revolução, até por sua construção recente. É preciso muita caminhada. Não se muda um país, não se institui uma democracia, nem é possível ver frutos sociais em apenas três anos. O Egito ainda tem um bom caminho a percorrer junto com seus revolucionários. Mas, a capacidade de expor a questão de dentro do movimento torna o filme um marco importante para toda a humanidade.
The Square (2013, Egito)
Direção: Jehane Noujaim
Roteiro: Jehane Noujaim
Duração: 108 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
The Square
2014-01-27T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
cinema africano|documentario|Jehane Noujaim|Khalid Abdalla|Oscar 2014|
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