
Mais antigo
Festival dedicado ao
cinema brasileiro, o
Festival de Brasília sempre teve como uma das características apresentar novos talentos. E também novas tendências. Este ano, o
Festival optou por não mais dividir os
filmes em categorias, juntando
documentários e
ficções em um mesmo grupo que gerou uma curadoria interessante.
Os três primeiros dias do
Festival demonstraram que esta diversidade e não-rotulação fez bem à linguagem. Trazendo obras instigantes e que, de fato, misturam realidade com criatividade.
A
Mostra Competitiva acontece sempre à noite, com uma coletiva com as equipes das obras apresentadas na manhã seguinte. Isso tem nos trazido uma rotina diversa de reflexão e discussão cinematográfica bastante proveitosa.
Primeiro Dia:
Curtas:
Bashar (SP, Diogo Faggiano)
Loja de Répteis (PE, Pedro Severien)
Longa:
Sem Pena ( SP, Eugênio Puppo)

A primeira noite da competitiva teve sua lotação esgotada. O público compareceu, participou e ovacionou, principalmente o longametragem
Sem Pena, que foi aplaudido com grande euforia. São três obras distintas mas que dialogam em sua principal questão: a situação humana.
Bashar, através de uma linguagem ágil que mistura esquetes, com depoimentos tradicionais e imagens do
Youtube em filtro azul nos dá um pouco do cenário na
Síria. Na coletiva do dia seguinte, o diretor
Diogo Faggiano disse que o
curta surgiu do material excedente de um longametragem que a equipe estava produzindo no
Egito chamado
A Revolução do Ano, que será exibido no
Festival do Rio deste ano.

Questionado sobre o porquê dos temas, Diogo citou uma frase "Na briga entre o mar e a pedra, quem se ferra são os mexilhões", segundo o cineasta seu
cinema é interessado nesses mexilhões. E é interessante como o
filme busca nos passar mais sensações do que fatos. Um jogo instigante de música, imagens e reconstruções próprias.
Já
Loja de Répteis traz uma metáfora do ser humano e seu aprisionamento, através de uma família que está se desfazendo de uma loja de animais. A presença de um jacaré pela casa traz uma experiência estética instigante.

Por fim, o longametragem
Sem Pena discute o sistema penal e penitenciário brasileiro com uma proposta estética diferente do normalmente visto em
documentários, com os depoentes não aparecendo em tela, tendo a voz
over preenchida com imagens diversas.
A discussão na coletiva foi calorosa e durou quase duas horas, contando com a presença de representantes do IDDD, que são co-produtores do
filme. Entre discordancias e concordâncias sobre as escolhas, depoimentos sobre as dificuldades do processo e até testemunhos de como o filme mudou a vida de alguns participantes deixa claro que o filme de abertura mexeu com o Festival.
Segundo Dia:
Curtas:
Sem Coração (PE, Nara Normande e Tião)
Crônicas de uma cidade inventada (DF, Luísa Caetano)
Longa:
Brasil S.A. (PE, Marcelo Pedroso)

A segunda noite reforçou o caráter político do
Festival, principalmente pelo
longametragem do pernambucano
Marcelo Pedroso que fez um crônica do país através de símbolos e arquétipos instigantes. O
filme Brasil S.A. não possui uma única fala, e vai construindo situações imagéticas a partir da história do pais, do progresso, do avanço das capitais e das diversas culturas existentes. Tudo sob a sombra de uma enorme bandeira vazada, sem o círculo azul e a faixa "ordem e progresso".
Durante a coletiva, o diretor e equipe ressaltaram essa construção arquetipica e o caráter político da obra. Segundo a produtora executiva, era importante para o grupo estrear em Brasília, centro político do pais em um ano de eleição. Pena que ainda não há previsão de estreia no circuito comercial. Mas, deve cumprir um bom caminho por
festivais.

Já os
curtas, são um pouco distintos, ainda que tenha política, principalmente no filme da capital.
Sem Coração é mais uma fábula da infância, da descoberta do sexo, da diferença da cidade grande pra cidade pequena, da busca por ser aceito. Uma garotinha que tem um marca-passo no coração, é chamada de "sem coração" pelos garotos do local, que se reúnem em uma piscina abandonada para fazer sexo com ela. Entre eles está Léo, um garoto da cidade grande que é quase obrigado a ir cumprir esse ritual, mas parece ser o único que a olha como uma menina.
Na coletiva, os diretores contaram que é uma mistura da vida dos dois. Nara, em sua infância, ouvia as histórias de uma menina "sem coração" que encontrava os meninos com quem brincava na praia em uma piscina abandonada. E isso sempre, marcou sua infância. Já Tião, era o menino da cidade que ia passar as férias na casa do primo.

Mas, o destaque da coletiva foi mesmo a garota Eduarda Samara que faz a "sem coração". Ela disse que sempre sonhou em ser atriz e falou um pouco do processo de preparação de elenco com a também atriz
Maeve Jinkings. A determinação e paixão da menina, arrancou aplausos dos entrevistadores por duas vezes. Maeve, que também estava presente, falou ainda da preocupação com as cenas de
sexo. E que criou coreografias para que eles ficassem mais à vontade.
Já o curta local
Crônicas de uma cidade inventadateve torcida própria, sendo o mais aplaudido da noite. Uma mistura de
documentário e
ficção, pelas ruas de Brasília. Com direito a entrevistas prévias, em uma metalinguagem divertida. E atores simulando ações que viveram ou testemunharam na capital.