A Loucura Entre Nós (BA, 76', 2015)
de Fernanda Fontes VareilleIntenso, essa talvez seja a melhor forma de traduzir o filme de Fernanda Fontes Varielle sobre os internos do Hospital Juliano Moreira. As doenças mentais assustam e intrigam o homem e a ciência há séculos. Por mais remédios e teorias que tenhamos, é difícil compreender tudo que passa na inconstante mente humana.
A Loucura Entre Nós não quer construir teses, nem mesmo dar respostas a quaisquer questões, tanto que não entrevista médicos, nem assistentes sociais. O documentário quer apenas dar voz a esses pacientes e mostrar que por trás do estigma de "loucos", existem pessoas ali que não são necessariamente perigosas, mas trabalhadores, artistas, mães, seres humanos que são tudo isso ao mesmo tempo e algo mais.
Entrevistando majoritariamente mulheres, o filme vai intercalando depoimentos diretos para a tela com flagras diversos nos corredores do hospital. E é impressionante o fascínio que a câmera provoca nos internos. Há uma sequência, por exemplo, onde a equipe entrevista uma paciente e outros começam a andar ao lado, brigando pelo espaço no enquadramento do objeto, chegando a se empurrar e a se abaixar. Em outros, a câmera está parada enquadrada no portão e sempre tem alguém falando, perguntando, cantando ou simplesmente olhando, como se fosse uma forma de expressar que existe e está viva, apesar de atrás daquelas grades.
Destaca-se também as trajetórias opostas de duas das pacientes, que acabam se tornando foco principal do roteiro do documentário e nossas guias naquele mundo. Elizangela e Leonor começam brigando por um pequeno jardim e aos poucos vamos vendo a melhora de uma e a piora de outra, reforçando a questão cíclica da doença e os diversos aspectos incluindo família e medicações. Mas, mais do que isso, vemos suas almas por trás do estigma da doença e nos dói, sofrendo junto com elas aqueles desencontros de vida que ficam em aberto. E quando o mar se abre em tela em revelações chocantes, não podemos deixar de lembrar daquelas espadas arrancadas e replantadas no pequeno jardim do hospital. Como disse, um filme intenso.
TROPYKAOS (BA, 82', 2015)
de Daniel LisboaDesde que lançou o curta-metragem O Fim do Homem Cordial, Daniel Lisboa marcou o seu nome no cenário audiovisual baiano. Era de se esperar que o seu primeiro longa-metragem chamasse a atenção. Único longa baiano na competitiva nacional do Panorama, Tropykaos acompanha a jornada de Guima, um jovem poeta que não suporta o calor da cidade e entra em parafuso porque seu ar-condicionado quebrou.
O filme flutua entre o real e o surreal ao exagerar os sintomas de Guima e ir construindo pistas do seu desfecho seja por pequenas inserções do sol "roxo", seja pelos avisos da estranha "Igreja Solar". Na verdade, o sol que sufoca o poeta não é exatamente físico, mas metafórico. Um discurso infantil talvez da luta contra o sistema que seus colegas de bar bradam revoltados por ele ter se "vendido" ao esquema de editais. Mas, que através de imagens e sentimentos, Lisboa consegue nos envolver de maneira hábil.
Na verdade, esse é o grande problema de Guima, sua consciência dividida entre o mundo de onde veio e o mundo que escolheu. Nascido em uma classe alta, vide a casa de sua mãe, mas, imerso em outra realidade: o lado B de Salvador, que não é vendido nos cartões postais nem nas propagandas turísticas. E é essa imagem do paraíso tropical que sufoca Guima em sua sensibilidade artística que talvez esteja em crise porque está escrevendo um livro sob encomenda. Por isso, não consegue terminá-lo.
Esse descontrole de sua consciência e luta interna contra as imagens que pulsa em nosso imaginário são passados com cenas diversas de Guima andando pelas ruas, como em uma sequência na praia, onde ele passa mal com uma roda de capoeira e uma exagerada baiana dando risadas. Mas, o extremo da metáfora acontece quando a dupla interpretada por Bertrand Duarte e Edgard Navarro surge em tela com uma exótica seita e outros acontecimentos estranhos.
Soa estranho, soa excesso em uma obra que já estava passando sua mensagem de maneira clara. Talvez a piada sutil na inserção televisiva já bastasse. Porém, o alongamento da participação dos dois ícones do cinema baiano soa algo deslocado do que estávamos acompanhando até então da trajetória do protagonista. Mas, deslocada mesmo é uma cena em que sua namorada é abordada por um homem quando anda pelo bairro de Ondina. Se fosse sua primeira aparição, como uma apresentação de personagem, talvez funcionasse. Ali, virou uma esquete no meio da trama. Até por ser a única cena não ligada à trajetória de Guima.
De qualquer maneira, ainda que inconstante, o filme pulsa em seu próprio ritmo em tela. Seja pelas escolhas de Daniel Lisboa, seja pela ótima atuação do estreante Gabriel Pardal. Ainda que soe cansativo em muitos momentos, sabe fechar sua jornada com um clímax poético, forte e bem executado que fica soando em nossa mente por tudo que simboliza e dos elementos escolhidos. É uma grande cena, talvez uma das melhores e mais emblemáticas do cinema baiano desde que o personagem de Bertrand Duarte pulou do alto do Elevador Lacerda, em SuperOutro.
Ana (BA, 21', 2015)
de Camila Camila"A memória é um instrumento de ficção", diz o texto de divulgação de Ana, curta-metragem da baiana Camila Camila. E o filme é isso, memória e sensações gravados em tela através da performance de uma artista que dança, encena e passeia pelos cenários marcando o lugar da mulher e o posicionamento feminista diante de um mundo ainda machista. É um vídeo arte, uma experiência instigante que a mim só incomodou nos três momentos em que um espelho insiste em revelar o cinegrafista por trás daquelas imagens, erro ou proposital, soou como excesso. Ainda assim, uma obra bela e poética.
Sandrine (BA/AM, 12', 2015)
de Elen Linth e Leandro RodriguesO tema de Sandrine está em voga e a forma como o roteiro nos revela isso é impactante. Esse é o grande destaque do curta, que acaba não indo além, caindo no lugar comum, no vago. A crítica da fila no hospital, a demora por resolver aquilo que psicologicamente já está resolvido pelo menos para ela, é instigante, ainda assim, fica a sensação que os diretores poderiam ter desenvolvido mais a ideia do que queriam passar.
Argentina, Me Desculpe (BA, 20', 2015)
de Leandro AfonsoA eterna rixa Argentina e Brasil tão exacerbada no futebol é abordada por Leandro Afonso nesse curta com criatividade em diversos aspectos.
A começar o filme é todo construído com fotos, o que não é algo original, é verdade, mas funciona enquanto estética para traduzir as recordações explicitadas na narração de cartas de uma amiga para outra. Este é o segundo ponto interessante, retratar esse universo tão masculino ao senso comum pelo ponto de vista de duas meninas, Pilar e Sofia . Uma argentina e outra brasileira. O terceiro ponto é que a menina brasileira, apesar de torcedora do Bahia, é uma admiradora confessa da seleção argentina.
Através das cartas, vamos conhecendo o amor das duas pelo futebol e uma pela outra. É interessante como o roteiro vai se clareando aos poucos, inclusive demora até entendermos completamente as fotos e as cartas, além da história que elas estão nos contando que culminam claro, na final do Mundial de Futebol ocorrido no Brasil.
Curioso, envolvente e diferente, assim é Argentina, Me Desculpe.
Filmes vistos no XI Panorama Internacional Coisa de Cinema