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Nise: O Coração da Loucura
Nise: O Coração da Loucura
As doenças mentais assustam. Diversos filmes já retrataram as situações desumanas encontradas em manicômios até o século passado. A frieza de médicos e enfermeiros. O descaso ou medo dos familiares. A dor dos pacientes que se sentem trancafiados naquele espaço estranho. O maior mérito do filme de Roberto Berliner não é retratar essa realidade ou fazer uma cinebiografia de uma mulher que lutou contra isso. Mas, nos fazer sentir como ela, naquela injusta situação.
Nise da Silveira é um dos grandes exemplos da psiquiatria. Discípula de Jung, ela buscou compreender o doente mental e não apenas transformá-lo em experimento científico. Recusou práticas que considerava agressivas como eletrochoque e lobotomia. Nunca aceitou o uso de violência nos pacientes. Ou melhor, nos clientes, pois, como ela dizia, pacientes precisavam ser eles, os médicos e enfermeiros, para entender os doentes e ajudá-los a encontrar seu caminho no seu próprio tempo.
O filme foca em um período específico da vida da médica, quando ela retornou a um hospital psiquiátrico no subúrbio do Rio de Janeiro. Por não aceitar as técnicas utilizadas no local, ela acabou relegada à área de Terapia Ocupacional, onde implantou as ideias de Jung sobre o inconsciente, estimulando os pacientes a se expressar através da arte.
Desde o início estamos colados em Nise e sua intérprete Glória Pires. E vamos nos identificando com sua perplexidade ao assistir a apresentação da técnica de lobotomia. Depois a uma exibição prática da aplicação de um eletrochoque. Para por fim, chegar à terapia ocupacional e todas as dificuldades que enfrenta ali.
Mas, o que Nise e Glória Pires nos ensinam mesmo é a ver aqueles pacientes para além do estereótipo de loucos. A busca da médica por compreendê-los em vez de temê-los é emocionante. O filme nos faz sentir de fato ali, junto com ela, aprendendo a lidar com a doença mental e com aqueles seres humanos e seus traumas.
A atuação de Glória Pires é fundamental para isso, mas não se pode deixar de dar méritos aos atores que compõem esses pacientes. Não há um exagero, nem estereótipos pré-estabelecidos. Vemos ali as nuanças de cada um deles. Nada parece over. Conseguimos identificar a lógica de cada um deles, que saltam da tela como personagens complexos e bem desenvolvidos.
A briga de Nise com seus colegas racionais, que querem apenas ver números e se livrar de problemas, é bem construída. Ainda que os médicos não o sejam. Talvez porque o roteiro foque na médica, sua equipe e seus pacientes, os colegas são estereótipos pouco desenvolvidos, que estão ali apenas para ser oponentes de Nise e causar o efeito de raiva nos espectadores. Esse pode ser o único senão da obra, com certeza ali também existem seres humanos que poderiam ter seus motivos melhor desenvolvidos.
Ainda assim, a obra consegue construir muito bem aquela situação. Não apenas com a história e as personagens, mas de maneira imagética. O uso das grades, a forma como se abrem e se fecham, traz simbologias como quando ela discute com o diretor do hospital e ele fecha a grade como se trancafiasse Nise. E ela depois abre novamente. Ou em um momento de dificuldade onde vários corredores criam um efeito de enclausuramento na médica ao fundo, com as luzes apagando em etapas.
Temos também cenas de puro lirismo como a festa de São João ou o passeio no parque. Além dos diversos momentos em que os pacientes pintam ou fazer alguma outra atividade recreativa e artística. Roberto Berliner consegue captar essas pessoas com delicadeza, como se realmente quisesse apenas documentar suas descobertas.
Mais do que um filme sobre Nise da Silveira, ou mesmo sobre um hospital psiquiátrico, este é um filme sobre os seres humanos e suas capacidades de adaptação e resgate. Mostra que, com um pouco de atenção e respeito, todos podem reencontrar seu caminho e se reinserir na sociedade. É preciso apenas paciência e amor para compreendê-los.
Nise: O Coração da Loucura (Nise, 2016 / Brasil)
Direção: Roberto Berliner
Roteiro: Patrícia Andrade, Leonardo Rocha e Roberto Berliner
Com: Glória Pires, Julio Adrião, Flavio Bauraqui, Fabrício Boliveira, Roberta Rodrigues, Roney Villela, Cláudio Jaborandy, Augusto Madeira
Duração: 106 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Nise: O Coração da Loucura
2016-05-24T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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