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Vidas Partidas
Vidas Partidas
A violência doméstica, infelizmente, é uma realidade desde sempre no Brasil e no mundo. Em uma sociedade patriarcal e machista, a mulher quase sempre é a maior vítima desses casos. Não por acaso, em 2006, surgiu a Lei Maria da Penha, tornando crime tais abusos e dando coragem para que outras mulheres denunciassem os maus tratos sofridos. Vidas Partidas aborda uma trama que aconteceu antes dessa lei, tocando em questões importantes, ainda que acabe exagerando no tom e perdendo o foco principal que é dar voz à vítima.
A trama, que nos letterings finais diz ser baseada nos diversos casos de violência contra mulher que já existiram, gira em torno do casal Graça e Raul. A princípio, um casal apaixonado com tórridas cenas de amor, mas que, aos poucos, vão demonstrando a personalidade ciumenta e insegura do marido. Porém, gradualmente essas crises vão se tornando rompantes violentos que chegam a extremos que ameaçam a vida de sua mulher e filhas.
Uma coisa que chama a atenção no filme é o ponto de vista. Apesar de tratar de violência doméstica contra mulher, o filme tem como protagonista Raul, vivido por Domingos Montagner. É o ponto de vista que nos é apresentado, tanto que em muitos momentos a trama parece querer justificar suas atitudes como a construção de um anti-herói. A narrativa está colada nele, o que ajuda a compreender o que de fato aconteceu em determinada noite importante na trama, mas não deixa de ser incômodo ver Graça pelos olhos dele o tempo todo.
Falta sensibilidade do diretor Marcos Schechtman e do roteirista José Carvalho para se aproximar um pouco mais da vítima. E não falo isso porque eles são homens. Chico Buarque, por exemplo, escreveu belíssimas músicas sobre a visão feminina. É possível que um homem escreva sobre o ponto de vista de uma mulher, assim como uma mulher pode escrever sobre o ponto de vista de um homem. Histórias estão aí para serem compreendidas e passadas adiante. Mas, nesse caso, faltou se colocar no lugar da outra.
A trama acaba sendo uma caricatura do que poderia ser. Há cenas fortes, toca em pontos importantes. As cenas de violência são bem feitas, impactam. Principalmente o primeiro ato de agressão física e outro mais à frente em uma tentativa de sexo que assusta por todo o contexto. É interessante como, nesse segundo ato, há uma semelhança com a primeira cena de sexo do casal, mas agora com outro enfoque. O que por um lado reforça a maneira violenta com que Raul trata Graça, mas por outro é quase como se dissesse "ela gostava", o que pode ser um perigoso preconceito velado.
Apesar dessa construção de anti-herói que começa como "príncipe" e vai se revelando sapo, o roteiro faz questão de dar pistas sobre o futuro de Raul. Desde a primeira cena, há uma construção em paralelo de um momento no futuro em que ele está preso e vai a julgamento. Isso ajuda a nos preparar para o que está por vir, mas não deixa de ser superficial. Como o julgamento dele, que, apesar de um bom jogo cênico e uma participação importante de Jonas Bloch com o discurso de proteção à mulher, não aprofunda o tema o quanto poderia.
O filme, no entanto, não é ruim. Tem um bom ritmo e ótimas atuações. Destaque para as participações especiais, como o já citado Jonas Bloch, Milhem Cortaz e Denise Weimberg que apesar das poucas falas, consegue transmitir muito com o olhar. O fato de ser uma juíza também no julgamento de Raul tem uma simbologia interessante.
Vidas Partidas traz um debate importante e tem bons momentos. Porém, esbarra ainda em muitos problemas ao retratar vítima e algoz. Principalmente no desenvolvimento da trama, que começa a escalar em situações caricatas em vez de humanizar suas personagens. De qualquer maneira, não deixa de ser válido.
Vidas Partidas (Vidas Partidas, 2016 / Brasil)
Direção: Marcos Schechtman
Roteiro: José Carvalho
Com: Naura Schneider, Georgina Castro, Milhem Cortaz, Domingos Montagner, Juliana Schalch, Suzana Faini
Duração: 90 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Vidas Partidas
2016-08-03T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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