Visages, villages
“Encontrar novos rostos e fotografá-los para que não caiam no buraco da memória”. Essa frase de Agnés Varda ecoa em nossos ouvidos explicando um pouco da proposta do filme Visages, villages. Com quase noventa anos e já tendo anunciado sua aposentaria, a cineasta belga (radicada na França) se junta ao fotógrafo francês JR para uma jornada inusitada pela França.
Em um caminhão fotográfico, a dupla viaja pelo interior do país conhecendo pessoas, fotografando-as, imprimindo as imagens em tamanho gigante e colando-as em alguma instalação. Vale muro, pedra, contêiner, telhado, o importante é compor uma unidade com o retratado para que signifique algo a mais que uma simples foto na parede.
O contraste de gerações está em diversos pontos, não apenas nos dois diretores que nos conduzem nessa jornada investigativa. A própria mistura da composição da imagem nos traz essa sensação de antigo e novo, seja na dinâmica rápida da imagem instantânea contrastando com o ato de imprimi-la. Ou os cenários onde são coladas.
As ressignificações da experiência também são múltiplas, como quando os filhos de uma das retratadas tiram um selfie com a foto da mãe e postam nas redes sociais. Ou quando uma das impressões some no dia seguinte devido a ação de uma força da natureza, deixando apenas um borrão preto no lugar que também traz sensações diversas.
Há ainda uma curva particular da relação de Agnés com Godard. Ela puxa o cineasta em diversos momentos, comparando inclusive os óculos de JR com o do fundador da Nouvelle Vague. Trechos de seus filmes são também resgatados seja em imagens em um computador ou nas brincadeiras deles no museu do Louvre repetindo a corrida de O Bando à Parte. Isso ajuda a construir uma unidade do roteiro dando maior significado ao clímax.
Mas Visages, villages não se resume a Godard ou mesmo à uma documentação exploratória que nosso dá encontros inusitados com pessoas como uma senhora que vive só em um conjunto habitacional abandonado ou visões antagônicas sobre a criação de cabras. Ou ainda sobre trabalhadores portuários e suas esposas.
O filme é tudo isso, mas é, principalmente, uma jornada de encontro entre Agnés e JR. A narração de ambos, a maneira como vão se abrindo e suas conversas durante à viagem dão o molho especial à obra que nos envolve e encanta, principalmente por essa mulher tão importante para a história do cinema e que ficou esquecida pelos livros e listas de grandes cineastas.
Por tudo isso, temos aqui um documentário especial, em diversos aspectos.
Visages, villages (Visages, villages, 2017 / França)
Direção: JR, Agnès Varda
Roteiro: JR, Agnès Varda
Com: JR, Agnès Varda
Duração: 89 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Visages, villages
2018-03-03T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
Agnès Varda|critica|documentario|oscar 2018|
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