Bergman - 100 anos
Um dos maiores cineastas de todos os tempos, único diretor a receber a "Palma das Palmas" no festival de Cannes, Ingmar Bergman completaria 100 anos em 14 de julho de 2018. O documentário de Jane Magnusson é uma homenagem à carreira desse artista, mas não se furta a dissecar seu nocivo temperamento e o seu processo criativo, o que faz da obra algo mais instigante do que um simples resgate histórico.
Como define o título original, a base da jornalista e cineasta é o ano de 1957, uma espécie de data mágica para ela, já que nele o cineasta sueco lançou dois filmes, filma outros dois, além de dirigir um telefilme e quatro peças de teatro. Mais do que isso, dentre essas obras estão títulos como Sétimo Selo, tido por muitos como sua obra-prima, ou Morangos Silvestres, que seria uma espécie de reflexão madura sobre a própria vida do cineasta.
A partir deste ano, o filme reconstrói a vida de Bergman, buscando compreender suas motivações, suas inspirações e como ele se coloca em cada obra que dirigiu. Em uma estrutura de roteiro tradicional, com narração em voz over, entrevistas e imagens de arquivo, vamos mergulhando no mundo e nas obras, com um posicionamento crítico curioso, já que não temos aqui uma estrutura apenas de exaltação do gênio, ainda que caia nisso ao final. Durante a projeção, há um constante tensionamento dessa figura do gênio incompreendido que pode tudo, inclusive passar por cima dos outros em nome de obras espetaculares.
Retratado como simpatizante do nazismo, manipulador, mentiroso e até mesmo sádico, Bergman não é poupado por pessoas que sofreram com ele em sets, em bastidores de peças ou mesmo em família, como o irmão. Mas, ao mesmo tempo em que o desconstrói, o filme o reconstrói em seu mito, ressaltando a importância de suas obras, os prêmios recebidos e a grandiosidade que seu nome se tornou para a Suécia e para a história do cinema mundial. É como se a tentativa de questionar suas atitudes tivessem ido longe demais e o filme passa, em seu último ato, a enaltecer o gênio criativo quase como o desculpando de todos os erros, ao contrário do que foi questionado durante a projeção. Não deixa de ser, no entanto, corajoso construir uma homenagem crítica tal qual se vê em tela.
Ainda que tenha como base o ano de 1957, o filme reconstrói a filmografia do cineasta quase de maneira didática, passando por suas obras e comparando com sua própria trajetória. A maneira como a narração vai explicando sua personalidade e fatos de sua vida nas obras é curiosa e os depoimentos daqueles que participaram dessa história de alguma forma, enriquece o relato trazendo uma estrutura única, porém, fechada a novas interpretações, é como se a cineasta abrisse o baú mágico da mente de Bergman e nos explicasse o raciocínio do autor real e não mais o autor empírico que a obra expõe. Mas que não deixa de ser uma visão curiosa diante da pesquisa feita pela diretora.
Nessa estrutura, os momentos em que o próprio Bergman surge em tela acabam sendo os melhores, principalmente quando ele rebate o que sustenta toda a obra, o fato de que 1957 teria sido um ano especial em sua vida. É como se a própria diretora quisesse aqui questionar o que foi construindo durante toda a projeção, demonstrando que tudo que foi dito é, na verdade, apenas um ponto de vista, uma interpretação.
Bergman - 100 anos pode não ser o documentário mais criativo em termos de linguagem. Sua técnica é engessada e pouco capaz de explorar a própria estrutura que desenvolve. Porém, há um frescor que vai além do simples deleite pela importância da obra de Ingmar Bergman, há um frescor honesto em buscar uma análise crítica do artista, mas que parece esbarrar na própria admiração da realizadora pelo mestre que retrata. No final, o que fica é isso, Bergman era um gênio, um dos maiores cineastas de todos os tempos. O maior entre os maiores, pelo menos na visão de Jane Magnusson e muitos dos que depõem em seu filme.
Bergman - 100 anos (Bergman: A Year in a Life, 2018 / Suécia)
Direção: Jane Magnusson
Roteiro: Jane Magnusson
Duração: 117 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Bergman - 100 anos
2018-07-19T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
critica|documentario|Ingmar Bergman|Jane Magnusson|
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