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Entrevista Exclusiva - A Vida Invisível

Entrevista Exclusiva - A Vida Invisível

Grande vencedor da mostra Um Certo Olhar no último Festival de Cannes, candidato ao Oscar pelo Brasil, A Vida Invisível foi um dos filmes de abertura do XV Panorama Internacional Coisa de Cinema. O filme conta a história de duas irmãs na década de cinquenta que são separadas em determinado momento da vida e tentam sobreviver em um país marcado pelo machismo ao mesmo tempo em que buscam se reencontrar. Uma obra forte, muitas vezes cruel, mas que, como definiu o diretor, na verdade, apenas retrata a realidade, essa sim, cruel.

Diretor de obras como Madame Satã, O Céu de Suely, Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo e O Abismo Prateado, Karim Aïnouz sempre retratou o universo feminino em suas obras com sensibilidade. No filme, ele contou com um cuidadoso trabalho também de atuação de suas protagonistas, vividas por Julia Stockler que faz a Guida e Carol Duarte que faz a Eurídice, também interpretada por Fernanda Montenegro na maturidade. Mas como o diretor ressaltou, há um cuidado em cercar-se de mulheres em todas as etapas de preparação e set de filmagem para que o resultado pudesse ser o melhor possível.

Karim Aïnouz esteve na abertura do Panorama junto com as atrizes Carol Duarte e Bárbara Santos que interpreta a Filomena, amiga e apoio que Guida encontra quando é expulsa de casa. Confira a nossa conversa com eles sobre a obra.

Entrevista Exclusiva A Vida Invisível

CinePipocaCult – O que te motivou a contar essa história?
Karim Aïnouz – Eu li o romance e fiquei muito tocado pelas personagens, pela Guida e pela Eurídice principalmente, claro. E eu queria fazer um retrato de uma geração que tinha sido pouco retratada. Uma geração de mulheres, que hoje tem entre 70 e 80 anos, que passou por coisas muito complicadas enquanto mulheres, enquanto seres humanos mesmo. Eu vi na obra da Martha uma forma de retratá-las que eu não tinha visto ainda, tem uma intimidade com que ela descreve as personagens, ela constrói a trama pelo olhar de alguém que conhece muito aquele universo. Ela até dedica o livro às tias dela. Isso me pareceu um filme necessário. Eu ainda não tinha visto algo assim. Minha mãe teria 90 anos hoje se ainda estivesse aqui e eu vi pelo que ela passou e queria muito falar disso. Quando eu vi o livro, essa foi minha primeira motivação. De retratar, jogar luz em uma geração de mulheres que estão agora entre a gente e a gente não tem ideia do que elas passaram para estar aqui. E falar de resiliência mesmo, de como essas pessoas são fortes. Sabe quando você lê um livro e tem vontade de ter escrito? Então, foi meio que assim que tudo começou. O livro foi um presente do Rodrigo (Teixeira), ele é um amigo querido, já tínhamos feito outros projetos juntos e ele me conhecia muito. E ele sempre soube do meu afeto grande pela minha mãe, eu fui criado só por minha mãe e minha avó. Aí quando ele leu o livro, imediatamente viu coisas que tinha a ver comigo.

Entrevista Exclusiva - A Vida Invisível CPC - Você falou que foi criado por mulheres. Seus filmes retratam bastante o universo feminino. Sendo um homem, como você constrói esse universo feminino, como faz para se aproximar dele? A escolha das atrizes também é muito importante para isso?
KA – Eu acho que é sempre importante de você, como artista, se colocar no lugar do seu personagem e tentar habitar a pele do seu personagem da melhor maneira possível, da maneira com que você mais se conecta com ele. No meu caso, é um universo com o qual eu sou muito familiar. Eu tenho brincado nos debates que ninguém me ensinou a fazer a barba, porque na minha casa não tinha nenhum homem além de mim. Então é um universo muito próximo para mim, essa questão não se colocou muito para mim. Se colocou mais como a gente faz isso, porque o filme é eu e uma equipe construindo aquela história. Então, procurei chamar uma equipe onde tivesse mulheres em posição de decisão também, buscando uma equiparação de gênero. Dependendo da função era importante que fosse uma mulher, e não um homem. Tentei criar também um ambiente tanto na preparação quanto no set de filmagem onde não houvesse uma hierarquia pautada pelo machismo, um set mais horizontal. Então foi um exercício de como eu me manufaturo para fazer esse retrato.

CPC - E como foi a escolha das atrizes?
KA - Foi uma escolha comum. Eu busco sempre que vou fazer um elenco sempre muito misturado de pessoas que vem do teatro, que venham do cinema, atores que nunca fizeram cinema. Porque acho que são registros que se contaminam. Um ator mais jovem tem algo mais selvagem, um ator mais velho tem algo mais calculado. Acho que esses encontros são lindos. Com as meninas, eu fiz teste de elenco, fiz diversos testes pelo Brasil, alguns atores foi convite. E depois que tenho os nomes, faço testes juntos, porque penso sempre em uma constelação, depois que você encontra suas duas estrelas como monta a constelação em volta. E depois a gente trabalhou muito com a preparação de elenco. A Nina Kopko, minha assistente de direção, ajudou muito nesse processo. A gente trabalhou principalmente a Guida e a Eurídice, porque no filme elas tem muito pouco tempo juntas, rapidamente elas são separadas, então era muito importante na preparação criar situações em que elas puderem criar intimidade uma com a outra.

CPC – E a escolha do Gregório Duvivier para marido da Eurídice?
KA – Acho que tem uma coisa do Gregório que ele é um grande ator, faz mais comédia que outros gêneros, mas quando ele fez o teste pro Antenor eu fiquei muito impressionado. Ele é muito talentoso, muito inteligente, tem uma inteligência cênica e tinha uma coisa física também. Era importante que a gente tivesse uma Eurídice que fosse mais longilínea e um Antenor que fosse menor, quase infantilizado. Era importante ter um Antenor que fosse violento, mas tivesse uma violência infantil, que não é menos violenta, mas que é quase patética. E claro que o Gregório tem um senso de humor que é algo que escapa às vezes e acabou sendo bom pro personagem também. Eu gosto muito de trabalhar na contracorrente. Um dos meus sonhos é trabalhar com o Renato Aragão fazendo um grande drama, entende?

Entrevista Exclusiva - A Vida Invisível CinePipocaCult – Como você definiria a Eurídice Gusmão?
Carol Duarte – A Eurídice é essa mulher da década de 50 que sonha em ser pianista, mas é cercada pelo pai, pelo marido, por esses homens que exercem essa violência privada, dessa realidade de classe média do Rio de Janeiro da década de 50. Ela começa a ser castrada e tem essa irmã que ela ama tanto que ao serem separadas fica mais difícil ainda. Mas tem uma frase no livro da Martha Batalha que fica muito em mim pra falar da Eurídice que é a história das mulheres que poderiam ter sido. Essa frase é muito dolorosa, mas acho que é bastante Eurídice.

CinePipocaCult – Como você definiria a Filomena?
Bárbara Santos – A Filomena é um contraponto muito importante para a trama. Porque ela traz uma perspectiva de uma personagem que está confrontando o patriarcado. E isso é um impulso para a Guida porque desde o início, ela quer confrontar. Quando ela sai de casa está buscando uma liberdade, ter uma experiência própria com o mundo. E é punida pelo mundo por isso. Então, ela encontra em outra classe social, em outra parte da cidade a possibilidade de ser autonomamente alguma outra coisa que a gente pode construir. Claro que com muito mais sacrifícios por causa da classe em que elas estavam, mas possível.

CPC - Você (Carol Duarte) protagoniza cenas muito fortes, com grande carga emocional, sem dar spoiler, mas como a noite de núpcias, a cena do piano, a do cemitério. Você elegeria alguma cena como a mais difícil?
CD – Olha, esse filme foi muito intenso desde a preparação, acho que é uma proposta do Karim. A gente teve muito trabalho de mesa, de entender as ações, entender a cena mais tecnicamente. Mas, quando a gente foi para a sala de ensaio e depois para o set, tinha uma coisa que a gente estava bem à flor da pele para dar conta daquelas figuras que já estavam mais construídas, estabelecidas no processo de preparação. É difícil para mim selecionar uma cena mais intensa, o tempo todo no filme eu senti muita coisa, mas de fato a lua -de-mel foi um dos momentos mais tensos, mas também a do piano, que teve inclusive uma preocupação técnica (risos) de não me queimar, mas no final foi até divertido, o Karim ria com a loucura que foi o set, “vai corpo de bombeiros” (risos). Tinha dois médicos, corpo de bombeiros, tudo dentro do set, todo mundo tinha que filmar com máscaras. Mas tem uma cena em que ela está no médico, depois dessa cena do piano que foi bem difícil para mim. Talvez a mais difícil. Porque é quando de fato ela se invisibiliza. Quer dizer, que invisibilizam ela.

CPC – E qual a cena que você (Bárbara Santos) destacaria como mais intensa, que foi mais difícil para você?
BS – Foi como a Carol (Duarte) falou, a gente fez um processo muito intenso. Claro que em nosso caso a gente tinha um bebê, que chorava, que era real, tinha uma atriz que não estava amamentando, mas acho que em todas as cenas a gente criou muito o ambiente para cada uma. A gente criou o ambiente daquela casa, cuidou dela. A gente conversou nos lugares da casa para criar a intimidade. Tanto que quando a gente tirou a foto agora na pré-estreia a gente brincou: foto de família (risos). Então foi tudo muito bonito e muito intenso. Não senti uma dificuldade, senti muita intensidade. Vendo o filme eu vejo tudo muito real, porque a gente estava muito presente, cem por cento.

Entrevista Exclusiva - A Vida Invisível CPC – O piano é parte importante da composição da Eurídice, você (Carol Duarte) já tocava? Fez aulas para a preparação do filme?
CD – Eu não toco, nunca toquei nenhum instrumento. Foi difícil. Eu devo muito a Ana Isabel Cartaxo que me deu aula lá no Rio (de Janeiro). Foi muito difícil (risos) porque o piano tem duas partituras, cada mão faz uma coisa e tem uma questão fisiológica de treinamento, meus dedos não são rápidos o suficiente. Eu não sabia onde ficava o dó no piano. Então, sabe aquele joguinho Genius? Então foi bem isso, as músicas que eu fui aprendendo ao longo do filme, eu ficava repetindo por muitas horas até acertar. E acho que é esse também o trabalho do pianista e foi bom para entender esse universo rígido da música clássica, a disciplina. Se você não fica em uma sala treinando, você vai errar. Que é diferente do trabalho de ator que se você faz uma peça clássica como Hamlet, por exemplo, e era um pouquinho a frase, não fica tão na cara. Mas se você erra o Bach, as pessoas que estão ouvindo vão entender que você errou. Então foi importante para o processo de construção da personagem.

CPC – Eu considero que o maior prêmio vocês já ganharam que foi o Um Certo Olhar em Cannes, mas o filme foi o escolhido para nos representar na corrida do Oscar. Qual a expectativa?
BS – Eu acho que o fato de ser indicado ao Oscar algo muito forte, grande, porque quase não importa se você vai ganhar, já tem um clima, uma onda e para um filme isso é maravilhoso porque leva o filme, cria curiosidade.
KA – É maravilhoso, é uma responsabilidade grande, mas ao mesmo tempo é uma onda importante, agora, a gente precisa de ondas de esperanças no Brasil, cada dia que a gente acorda não está mole. Então quando a gente tem uma oportunidade de um filme gerar uma onda de esperança, a gente tem que se atracar a ela. Senti isso quando a gente ganhou o prêmio em Cannes e as reações pareciam que a gente tinha ganho de fato a taça Jules Rimet e acho que isso é bom pra gente, pro filme, pro país. Que a gente se agarre a essas coisas que são o encantamento, o cinema, a arte.

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