O destaque do quarto dia do festival começa pela tarde com o painel Recuperação do Setor Audiovisual e Políticas Públicas, programação de encerramento da primeira Conferência do Cinema Nacional FBCB. O evento contou com a presença dos secretários de Cultura Fabrício Noronha e Bartolomeu Rodrigues e de Juca Ferreira, interlocutor para cultura do Governo eleito. Reforçando o clima de reconstrução do Festival, a conversa girou em torno do retorno do Ministério da Cultura e dos editais de fomento para a classe, incluindo o lançamento da Aldir Blanc 2 e da Lei Paulo Gustavo que continuam em trâmite no congresso.
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Festival de Brasília - Parte 3
Festival de Brasília - Parte 3
O destaque do quarto dia do festival começa pela tarde com o painel Recuperação do Setor Audiovisual e Políticas Públicas, programação de encerramento da primeira Conferência do Cinema Nacional FBCB. O evento contou com a presença dos secretários de Cultura Fabrício Noronha e Bartolomeu Rodrigues e de Juca Ferreira, interlocutor para cultura do Governo eleito. Reforçando o clima de reconstrução do Festival, a conversa girou em torno do retorno do Ministério da Cultura e dos editais de fomento para a classe, incluindo o lançamento da Aldir Blanc 2 e da Lei Paulo Gustavo que continuam em trâmite no congresso.
Juca Ferreira reforçou a importância da cultura para o país. “Não existe um país sem Cultura. É uma necessidade reconhecida pela ONU”, lembrou ainda que ela tem interface com todas as áreas, como saúde, educação e economia. “Em última instância, a preservação ambiental é questão de cultura”, afirmou. As falas, em geral, tanto da mesa quanto da plateia foi de pedido por trabalhar nessa recuperação, nessa reabertura da cultura para todos, todas e todes.
Os filmes da noite, então, casaram bem com esse diálogo. Essa busca por pertencimento, por espaço de fala. Algo que tem marcado essa edição do Festival. O curta-metragem Escasso (RJ), de Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles, é um bom exemplo disso. Um mockumentary que traz a inusitada Rose, uma mulher que ocupa uma casa vazia e discursa sobre seu papel ali como cuidadora do local. A obra se sustenta na triangulação da conversa entre ela, a voz da diretora e o câmera, a quem ela se dirige como Negão. Isso traz diversas questões de olhares e condução que divertem, envolvem, mas também fazem a plateia refletir. Uma obra que chama a atenção em diversos aspectos de linguagem.
O segundo filme da noite, São Marino (SP), de Leide Jacob, resgata a história de Santa Marina, que viveu no século VI, no Líbano, e é considerada, por setores progressistas da igreja católica,como a protetora da identidade de gênero. Isso porque, na verdade, Marina viveu como o monge Marino e a obra reivindica esta vivência transmasculine como algo legítimo e uma forma de discutir a transmasculinidade. Para isso, traz a visão de cinco homens trans em diálogo com o padre Júlio Lancellotti. A encenação da vida do monge cabe a Ariel Nobre, que se destacou no cenário audiovisual com seu filme Preciso Dizer que Te Amo. A frase, inclusive, é referenciada na obra.
A questão é tratada de maneira intensa e respeitosa, apenas expondo fatos e dialogando com essa noção de ser. Chama a atenção as falas dos cinco rapazes, que se relacionam de maneira diversa com a religiosidade e fazem questão de afirmar serem homens trans, por mais que no fenótipo pudessem passar por homens cis. A presença do padre Lancellotti e a maneira humana como lida com a questão também é um ponto positivo da obra.
Por fim, o longa-metragem da noite, Mandado (RJ), de João Paulo Reys e Brenda Melo Moraes, trata sobre a invasão policial ao Complexo da Maré meses antes da Copa do Mundo de 2014. Na verdade, o documentário vai além de um momento específico, resgatando a prática invasiva e desrespeitosa do governo em relação a comunidades como ela, desde o início. Imagens de arquivo dialogam com entrevistas com moradores locais, incluindo a vereadora Marielle Franco e imagens da invasão em si, da Copa e das Olimpíadas. Tudo isso guiada pela entrevista com o juiz Alberto Salomão Junior, que assinou o mandado que autorizava a invasão. Sem autorização de imagem, apenas a voz do juiz é ouvida com o recurso da imagem de um gravador. O diálogo construído entre sua voz e os depoimentos dos moradores traz embates interessantes de ideias, em especial pela justificativa dele de que, se fosse morador, gostaria que a polícia entrasse em casa para “proteger” de bandidos. Porque a questão não é essa, mas a maneira desrespeitosa como entraram de forma generalizada em todas as casas, sem mesmo aviso ou cuidado. Como disse Marielle, mulheres poderiam estar tomando banho, dormindo sem roupa, a vontade, um mínimo de respeito à privacidade era necessário.
A força do discurso de Mandado é inegável. É preciso falar desses temas, é preciso trazer à tona realidades como essa. É preciso refletir sobre o processo de construção e manutenção desse país. Porém, a construção do roteiro e processo de montagem poderiam ir além do discurso. Há imagens e depoimentos fortes, que por vezes se perdem em uma falta de dispositivo claro do documentário. Uma busca por uma linguagem audiovisual que não se sustente apenas no discurso, pois há ali potencial para muito mais. Em geral, essa edição de Brasília tem se esbarrado nisso, mas é compreensível em um período tão conturbado, no qual falar é uma necessidade de sobrevivência. Que venham tempos melhores.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Festival de Brasília - Parte 3
2022-11-19T15:17:00-03:00
Amanda Aouad
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