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Canção ao Longe

Canção ao longe - filme

Amadurecer, sair da casa dos pais, construir sua própria vida. Passos que são dados de maneira cada vez mais tardia a cada geração. Dirigido pela cineasta mineira Clarissa Campolina, Canção ao longe retrata um pouco isso. Através da busca da protagonista Jimena por seu lugar no mundo, dialoga com diversas mulheres de gerações também diversas. Há uma naturalidade em cada cena, no tom das atuações, na maneira como a câmera se aproxima que dá a sensação de estarmos acompanhando a vida real. 

A narrativa acompanha sua rotina em casa com mãe e avó, no trabalho como arquiteta, suas relações de amizade e amorosas, além de seu diálogo com um pai ausente através de cartas. O ritmo da progressão narrativa é observativo, construindo aos poucos aquela mulher que sente um certo incômodo com sua própria realidade, buscando seu lugar no mundo e o reconhecimento de si em espaços que parecem não comportar sua existência. 

Chama a atenção como o roteiro trabalha questões profundas de maneira sutil. A cena entre Jimena e a mãe é uma boa tradução disso. Deitada no colo da genitora, recebendo carinho verdadeiro, mas com questionamentos sobre as mãos não se parecerem e que muitos dizem que elas não são mesmo mãe filha. Ainda que exista um diálogo e amor entre elas, há também esse distanciamento diante da questão racial que constrói visões de mundo díspares. 

Canção ao longe - filme
O não-dito é bem trabalhado em reações e gestos, mas as falas também buscam essa delicadeza, fugindo do discurso vazio ou expositivo que nos tocam em diversos aspectos. Como o incômodo pela não-conversa sobre o pai em casa ou mesmo entre os que a rodeiam, como o motorista que ela nem sabia ser amigo do genitor. “Ninguém fala sobre seu pai”, ele diz, fazendo-a perceber que ela não sabe quase nada sobre sua própria vida. 

Mesmo a sensação de não-pertencimento exposta na carta do pai é poética. Ele sentencia que ela não é mais aquela criança curiosa, tornando-se uma mulher medrosa. Ela lê isso enquanto olha Belo Horizonte pela janela, refletindo sobre esse medo de se jogar no mundo, essa síndrome de impostora que as mulheres muitas vezes sentem, em especial uma mulher negra, ainda mais crescendo em uma família branca. Tudo isso é exposto, mas trabalhado com uma linguagem cuidadosa que vai além simplesmente do tema. 

É perceptível também a importância do som na construção da obra. Não apenas pelo nome e pela canção que a protagonista ouve da janela de um prédio em determinado momento. Ou pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, cuja nova sede tem o desenho técnico dela. O desenho sonoro, e mesmo o silêncio de alguns momentos, traduz os sentimentos da protagonista, nos deixando ainda mais próximos dela, de seus pensamentos e de como esta vê o mundo. 

Canção ao Longe fala de futuro de maneira nostálgica, mas dialogando com esperança e vontade de mudança. É construído na contradição, na busca pela compreensão de si, do outro e do mundo. Tudo de maneira sensível, poética e contundente. Uma obra que, assim como a protagonista, vai ecoando dentro de nós. 

Filme visto no 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Canção ao Longe (Brasil, 2022)
Direção: Clarissa Campolina
Roteiro: Caetano Gotardo, Sara Pinheiro e Clarissa Campolina
Com: Mônica Maria, Margô Assis, Jhon Narvaez, Matilde Biadi, Carlos Francisco, Ricardo Campos
Duração: 75 min.

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