Queer
O desejo de todo ser humano é ser amado e se sentir pertencente a algo. Em um mundo heteronormativo, ser homossexual é um desafio a esse desejo, ainda mais se você vive na década de 1950, no Novo México, após ser expatriado do seu país de origem. É nesse cenário que encontramos Lee, personagem de Daniel Craig.
Baseado no livro de William S. Burroughs, o filme de Luca Guadagnino não segue um roteiro clássico de estrutura em atos narrativos baseados em um conflito inicial. Ainda que a paixão fulminante pelo jovem Allerton possa ser considerado um “incidente incitante”. O fato é que a experiência fílmica foca em uma imersão em sensações e buscas internas que nos aproxima do protagonista.
Acompanhamos a rotina de Lee, em meio à boemia local, os flertes descompromissados e festas sem limites. Tudo, de alguma maneira, muda quando ele avista o jovem Allerton, vivido por Drew Starkey. O jovem, que aparenta ser inalcançável, se torna ainda mais desejável. E é poética a maneira como Guadagnino demonstra esse desejo, com imagens em sobreposições da realidade e imaginação.
Ao mesmo tempo, a experiência pode ser indigesta ao construir uma obra que nos dá uma sensação de vazio. Não apenas o vazio existencial que parece preencher o protagonista, em sua rotina de bebedeira e busca sexual. É também um vazio narrativo que nos dá a sensação de que a vida daquelas pessoas se resume a isso. Ao contrário de sua obra mais conhecida, Me Chame Pelo Seu Nome, Guadagnino parece aqui cair em alguns clichês homoafetivos, inclusive com a construção de um personagem que personifica o estereótipo do gay, melhor amigo de Lee.
Ainda assim, há uma construção instigante de experimentações, em especial quando o protagonista embarca em busca da ayahuasca. Há uma mudança narrativa e estética que nos traz a sensação da busca interior de Lee, mas que também abre possibilidades para experimentação entre o sonho e a realidade. Um jogo que nos envolve e nos ajuda a experimentar.
Destaque para a interpretação de Daniel Craig que consegue nos apresentar todas as nuanças de Lee, sem estereótipos e caricaturas. Entre a dor e o prazer, entre as dúvidas e as certezas, um estudo de personagem complexo que nos dá nuances em gestos e olhares extremamente sensíveis. Compramos a busca de Lee, seja pelo amor do rapaz que cruzou com ele na rua, seja pela telepatia prometida pela ayahuasca, seja pelas dilatações de sua mente entre a realidade e o sonho.
Queer é um filme que não busca uma narrativa, mas uma experiência. Como tal, traz momentos agradáveis e outros quase intragáveis. É possível amar ou odiar, mas não ficar indiferente a sua proposta. Só por isso, já vale a jornada.
Queer (EUA, 2024)
Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: Justin Kuritzkes
Com: Daniel Craig, Drew Starkey, Jason Scwartzman, Drew Droege
Duração: 137 min.

Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Queer
2025-01-16T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
critica|Daniel Craig|Drew Droege|Drew Starkey|Jason Scwartzman|livro|Luca Guadagnino|
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