Lixo Extraordinário
"Não é vergonha ser pobre,
vergonha é subir no mais alto degrau da fama
com a alma suja de lama."
Essa frase de um personagem do filme resume uma das questões levantadas no filme Lixo Extraordinário. Mas, ela é apenas uma delas. O documentário não é sobre Vik Muniz, um dos artistas plásticos mais conceituados da atualidade, que a propaganda está insistindo em mostrar apenas como o autor da abertura de Passione. O filme conta a história de como um homem com talento e muita força de vontade consegue mudar a vida de várias pessoas. De como a rotina pode ser mexida resultando em maravilhas. Uma aula de cidadania que mostra que a humanidade ainda tem solução.
Pode parecer pedante, mas o documentário começa com Vik Muniz procurando um sentido para sua arte e resolvendo ir ao aterro de Jardim Gramacho no Rio de Janeiro para recrutar algumas pessoas para ajudá-lo em um projeto, vender as obras e retornar o lucro para melhorar a vida da comunidade. O ar de superioridade do artista pode incomodar alguns, mas acaba sendo apenas o ponto de partida para uma experiência incrível. Muitos filmes já foram feitos sobre e no lixão, a exemplo de Boca de Lixo de Coutinho, Estamira de Marcos Prado ou mesmo Ilha das Flores de Jorge Furtado. Mas, nenhum tinha mexido nas estruturas do espaço a ponto de tirar algumas pessoas daquele ofício.
Não que este seja indigno. Os catadores de material reciclado são profissionais e exigem respeito. Não é agradável viver no meio do lixo, mas muitas mulheres gostam de deixar claro que é muito melhor estar ali do que na calçada se prostituindo. Não somos ninguém para julgar aquela realidade. O que podemos observar é a forma como surgem os personagens de Lixo Extraordinário e sua evolução. Perceber que tem gente ali que tem mais cultura e consciência que muita gente de classe média. Tião já leu Nietzsche e Maquiavel. Zumbi sonha em construir uma biblioteca com os livros que encontra no lixo que vai de leitura fácil como O Código da Vinci à A Arte da Guerra. Cada ser humano ali tem uma história, um sonho, um futuro. A beleza do documentário é desvendar cada um deles.
Como disse, Vik Muniz é apenas o estopim. Claro que sua obra tem grande valor e também ele começou pobre, vendo no lixo uma matéria-prima ideal para suas obras. Mas, o grande mérito desse longametragem não é o artista e sua obra, mas os personagens que encontra e transforma em mão-de-obra, inspiração, modelo e artista junto com ele. Tanto que o filme perde quando se volta para Vik. Há uma quebra desnecessária no meio do documentário para irmos a São Paulo ver onde o artista nasceu e falar um pouco de sua história. Talvez seja o momento mais fraco do filme.
Há de se estranhar também a forma como os diretores Lucy Walker, João Jardim, Karen Harley resolveram iniciar e terminar seu filme. Jô Soares aparece na tela quase que gratuitamente. Mas, acredito que esteja ali para substituir o narrador. Uma forma mais orgânica de apresentar o personagem que parece ser o central no início, Vik Muniz, e de fechar com o verdadeiro protagonista do filme, Tião. Sebastião Carlos do Santos, o líder da cooperativa de catadores de material reciclado. Aquele que muitos querem para presidente. Essa transição de Muniz para Tião, pode ser interpretada também como o que vem depois. De qualquer forma, é uma escolha de introdução e conclusão a partir de um programa de televisão conhecido.
Lixo Extraordinário é daqueles filmes para serem vistos de coração aberto. Não procurem julgar Vik Muniz ou seus diretores, nem fiquem catando os sinais de oportunismo nessa história. Vejam os personagens. Aquelas pessoas que fazem do seu dia a dia a coleta dentro do lixo de algo que possa ser aproveitado. Do que significa serem levados àquelas experiências. De sua alegria com os quadros nas mãos. A vida é feita de momentos. De uma forma ou de outra, cada um ali nunca mais foi o mesmo, vide as informações posteriores de onde está cada um hoje em dia. É um filme para se pensar. Que a indicação ao Oscar faça todos terem pelo menos a curiosidade de ver essa maravilha.
Lixo Extraordinário: (Waste Land / 2010: Brasil, Reino Unido)
Direção: Lucy Walker, João Jardim, Karen Harley
Duração: 90 min.
vergonha é subir no mais alto degrau da fama
com a alma suja de lama."
Essa frase de um personagem do filme resume uma das questões levantadas no filme Lixo Extraordinário. Mas, ela é apenas uma delas. O documentário não é sobre Vik Muniz, um dos artistas plásticos mais conceituados da atualidade, que a propaganda está insistindo em mostrar apenas como o autor da abertura de Passione. O filme conta a história de como um homem com talento e muita força de vontade consegue mudar a vida de várias pessoas. De como a rotina pode ser mexida resultando em maravilhas. Uma aula de cidadania que mostra que a humanidade ainda tem solução.
Pode parecer pedante, mas o documentário começa com Vik Muniz procurando um sentido para sua arte e resolvendo ir ao aterro de Jardim Gramacho no Rio de Janeiro para recrutar algumas pessoas para ajudá-lo em um projeto, vender as obras e retornar o lucro para melhorar a vida da comunidade. O ar de superioridade do artista pode incomodar alguns, mas acaba sendo apenas o ponto de partida para uma experiência incrível. Muitos filmes já foram feitos sobre e no lixão, a exemplo de Boca de Lixo de Coutinho, Estamira de Marcos Prado ou mesmo Ilha das Flores de Jorge Furtado. Mas, nenhum tinha mexido nas estruturas do espaço a ponto de tirar algumas pessoas daquele ofício.
Não que este seja indigno. Os catadores de material reciclado são profissionais e exigem respeito. Não é agradável viver no meio do lixo, mas muitas mulheres gostam de deixar claro que é muito melhor estar ali do que na calçada se prostituindo. Não somos ninguém para julgar aquela realidade. O que podemos observar é a forma como surgem os personagens de Lixo Extraordinário e sua evolução. Perceber que tem gente ali que tem mais cultura e consciência que muita gente de classe média. Tião já leu Nietzsche e Maquiavel. Zumbi sonha em construir uma biblioteca com os livros que encontra no lixo que vai de leitura fácil como O Código da Vinci à A Arte da Guerra. Cada ser humano ali tem uma história, um sonho, um futuro. A beleza do documentário é desvendar cada um deles.
Como disse, Vik Muniz é apenas o estopim. Claro que sua obra tem grande valor e também ele começou pobre, vendo no lixo uma matéria-prima ideal para suas obras. Mas, o grande mérito desse longametragem não é o artista e sua obra, mas os personagens que encontra e transforma em mão-de-obra, inspiração, modelo e artista junto com ele. Tanto que o filme perde quando se volta para Vik. Há uma quebra desnecessária no meio do documentário para irmos a São Paulo ver onde o artista nasceu e falar um pouco de sua história. Talvez seja o momento mais fraco do filme.
Há de se estranhar também a forma como os diretores Lucy Walker, João Jardim, Karen Harley resolveram iniciar e terminar seu filme. Jô Soares aparece na tela quase que gratuitamente. Mas, acredito que esteja ali para substituir o narrador. Uma forma mais orgânica de apresentar o personagem que parece ser o central no início, Vik Muniz, e de fechar com o verdadeiro protagonista do filme, Tião. Sebastião Carlos do Santos, o líder da cooperativa de catadores de material reciclado. Aquele que muitos querem para presidente. Essa transição de Muniz para Tião, pode ser interpretada também como o que vem depois. De qualquer forma, é uma escolha de introdução e conclusão a partir de um programa de televisão conhecido.
Lixo Extraordinário é daqueles filmes para serem vistos de coração aberto. Não procurem julgar Vik Muniz ou seus diretores, nem fiquem catando os sinais de oportunismo nessa história. Vejam os personagens. Aquelas pessoas que fazem do seu dia a dia a coleta dentro do lixo de algo que possa ser aproveitado. Do que significa serem levados àquelas experiências. De sua alegria com os quadros nas mãos. A vida é feita de momentos. De uma forma ou de outra, cada um ali nunca mais foi o mesmo, vide as informações posteriores de onde está cada um hoje em dia. É um filme para se pensar. Que a indicação ao Oscar faça todos terem pelo menos a curiosidade de ver essa maravilha.
Lixo Extraordinário: (Waste Land / 2010: Brasil, Reino Unido)
Direção: Lucy Walker, João Jardim, Karen Harley
Duração: 90 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Lixo Extraordinário
2011-02-07T08:19:00-03:00
Amanda Aouad
cinema brasileiro|critica|documentario|filme brasileiro|oscar 2011|
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