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Se Enlouquecer, Não se Apaixone
Se Enlouquecer, Não se Apaixone
Se Enlouquecer, Não se Apaixone (2010), dirigido por Ryan Fleck e Anna Boden, chegou aos cinemas prometendo tratar de saúde mental com leveza, mas também com sinceridade. O filme não é um tratado clínico nem uma comédia descompromissada. Ele ocupa aquele espaço raro entre o drama sensível e a comédia agridoce, equilibrando-se com cuidado entre o retrato honesto da depressão adolescente e a tentativa de tornar essa experiência palatável para o público em geral. Confesso que minha desconfiança inicial cedeu lugar a uma curiosa empatia por essa obra que caminha, tropeçando às vezes, mas quase sempre com coração.
Baseado no livro homônimo de Ned Vizzini, que, por ironia trágica, faleceu anos depois por suicídio, o filme nos apresenta Craig (Keir Gilchrist), um adolescente de 16 anos, angustiado com a pressão por desempenho escolar, os rituais sociais da juventude e um senso profundo de inadequação. Quando Craig decide se internar voluntariamente em uma ala psiquiátrica após pensamentos suicidas, somos levados com ele para um espaço onde o tempo desacelera e a realidade parece se desnudar das pressões externas.
A escolha do ambiente de uma clínica psiquiátrica não é casual nem oportunista. Ao contrário do que poderia soar como caricatura, Fleck e Boden se esforçam para não transformar os personagens internados em estereótipos ou apenas em alívios cômicos. É ali que Craig encontra Bobby (Zach Galifianakis), uma figura que, à primeira vista, parece mais uma extensão do personagem cômico de Se Beber, Não Case, mas que, ao longo do filme, revela camadas inesperadamente dolorosas e humanas. Galifianakis entrega um desempenho comedido — e essa tensão entre a comédia e o drama é um dos grandes acertos do longa.
Emma Roberts, como Noelle, é talvez o elo mais tênue da narrativa. Sua personagem, também internada, estabelece uma conexão amorosa com Craig que, embora bem-intencionada, parece às vezes mais funcional para o roteiro do que organicamente desenvolvida. Roberts faz o que pode com o material que recebe, mas sua química com Gilchrist oscila entre o doce e o previsível.
A direção de Fleck e Boden opta por uma abordagem digerível. A estética é limpa, com uma paleta de cores suaves e uma trilha sonora indie cuidadosamente curada, que tenta espelhar o universo emocional de Craig sem nos afundar completamente no poço da angústia adolescente. Esse é, talvez, um dos méritos mais discutíveis do filme: ele não mergulha fundo o bastante. Para alguns, isso pode ser visto como uma falha, uma romantização ou até uma superficialização da experiência de estar em sofrimento psíquico. Para mim, trata-se de uma porta de entrada possível e sensível para um tema ainda tão estigmatizado.
É notável o cuidado com o qual o roteiro evita sensacionalismos. O filme, ao invés de girar em torno de diagnósticos ou de grandes reviravoltas terapêuticas, foca no cotidiano desses dias de internação. Pequenas vitórias, como comer com mais apetite ou se abrir minimamente em grupo, ganham um peso emocional que outros filmes tratariam com pressa. Há uma cena particularmente simbólica em que Craig participa de uma atividade artística. Ali, ele externaliza sua angústia de maneira não verbal e o resultado é uma animação colorida que dialoga com o tom esperançoso do longa. A sequência, estilizada e lúdica, destoa da narrativa realista, mas acerta por traduzir visualmente o que seria, para muitos, intraduzível com palavras: o alívio momentâneo da expressão criativa no meio do caos interno.
Ainda assim, Se Enlouquecer, Não se Apaixone tem seus problemas. Seu ritmo por vezes vacila, especialmente no segundo ato, e há uma tendência a resolver os conflitos de forma apressada demais no final. A ideia de que cinco dias em uma clínica são suficientes para transformar completamente a perspectiva de um adolescente em crise soa, no mínimo, otimista demais. A conclusão transmite a impressão de que o filme tem medo de pesar demais a mão e essa hesitação compromete parte do impacto que a história poderia ter.
Por outro lado, o longa ganha relevância ao se inserir num momento em que a pauta da saúde mental, especialmente entre jovens, começa a ganhar o espaço que merece. Sua linguagem acessível, a ausência de um moralismo ultrapassado e a tentativa honesta de humanizar pessoas em sofrimento já são, por si só, atributos valiosos. Há, ali, um esforço genuíno de mostrar que pedir ajuda não é fraqueza. E isso, num produto voltado ao público jovem, é fundamental.
Como obra cinematográfica, Se Enlouquecer, Não se Apaixone talvez não alcance os altos picos emocionais de um Clube da Luta ou a sensibilidade crua de um As Vantagens de Ser Invisível, mas encontra seu próprio tom entre os dois extremos. É um filme que não quer chocar, mas tocar, mesmo que suavemente. E, nesse equilíbrio, encontra sua graça.
Do ponto de vista crítico, talvez seu maior valor esteja justamente aí: ao não se propor a ser um manifesto sobre saúde mental, mas um retrato delicado de uma vivência possível, o filme se abre para diálogos, para reflexões, para empatia. Em um mundo em que falar sobre depressão ainda assusta, um filme como esse, ainda que imperfeito, vale mais pelo que desperta do que pelo que resolve. E isso já é bastante.
Se Enlouquecer, Não se Apaixone (It's Kind of a Funny Story, 2010 / Estados Unidos)
Direção: Anna Boden, Ryan Fleck
Roteiro: Anna Boden, Ryan Fleck
Com: Keir Gilchrist, Zach Galifianakis, Emma Roberts, Viola Davis, Lauren Graham, Jim Gaffigan, Zoë Kravitz, Jeremy Davies
Duração: 101 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Se Enlouquecer, Não se Apaixone
2025-07-04T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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