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Alexandria - filme

Em Alexandria (Ágora), Alejandro Amenábar empreende um mergulho ambicioso no século IV, colocando no centro uma figura rara: Hipátia, polímata cuja curiosidade astronômica e paixão pela filosofia desafiam os dogmas que se erguem em Alexandria. Desde o plano inicial, o filme expõe essa tensão entre erudição e fanatismo religioso, um paralelo inquietante com o presente. A fotografia de Xavi Giménez enche a tela de luz dura nos interiores e cintila sob o sol, evocando o clarão da razão sendo apagado pela sombra da intolerância.

O design de produção, figurino e cenografia, assinados por Guy Dyas, Frank Walsh, Gabriella Pescucci, recriam uma Alexandria viva, de bibliotecas majestosas e ruas fervilhantes, onde o cosmopolitismo se choca com gregos, romanos, judeus e novos cristãos. É nesse cenário que Amenábar, saindo de sua zona íntima (Os Outros e Mar Adentro), testa seu pulso em épicos de grande escala. Nem sempre o ritmo caminha com naturalidade: há momentos em que a narrativa se perde, espalhando-se entre eventos grandiosos e conflitos íntimos sem costura emocional firme.

Alexandria - filme
A maior força do filme está em Rachel Weisz, que imerge em Hipátia com honestidade cética. Sua presença equilibrada, quase magistral, traz dignidade e questionamento. Quando ela debate a rotação da Terra num ambiente dominado por crentes, sentimos o peso de cada palavra numa sociedade que já não vê valor na dúvida. Esse contraste se intensifica na sequência em que o planeta se revela diante de nós, nos lembrando o quão minúsculos somos: um dos momentos mais poderosos e poéticos do filme.

Mas, confesso, algumas escolhas me incomodaram. O romance entre Hipátia e Orestes (Oscar Isaac), embora humanize os personagens, soa como um artifício que desvia o foco das ideias para a emoção fácil. Isso não significa que Oscar Isaac não realize uma entrega cuidadosa, pelo contrário, mas o roteiro não alimenta essa interação com profundidade. Em outras passagens o protagonista masculino tira a atenção da heroína, que já brilha por si só.

Alexandria - filme
A cena da execução de Hipátia é visceral e crua: os gritos, o sangue, a multidão encapuzada. Um retrato brutal do obscurantismo que mata ideias, não apenas pessoas. Ali, a câmera não hesita, nem ameniza. Essa violência é simbólica: mata a ciência, assusta o livre‑pensamento e anuncia a Era das Trevas para Alexandria. Mas, mesmo nessa imagem poderosa, em alguns momentos, a câmera se dispersa, registrando arquitetura em detrimento da angústia íntima dos personagens.

Tecnicamente, o filme é impecável: a direção de fotografia, o figurino e a cenografia são impactantes. Mas faço uma ressalva: a grandiosidade visual às vezes camufla uma fragilidade narrativa. Em vez de aprofundar, Amenábar se perde no espetáculo. Essa megalomania ocasional fragmenta a experiência, embora o filme nunca seja enfadonho, mas sim irregular em seu pulso dramático.

No entanto, nada disso apaga a importância do projeto. Alexandria provoca reflexão sobre a intimidade entre ciência, fé e poder político: temas eternos, tragicamente atuais. É um filme que joga luz sobre uma mulher que foi raríssima em sua época, notável em matemática, filosofia e astronomia. Hipátia não é apenas uma protagonista histórica, é arquétipo da racionalidade acossada pelo fanatismo.

O filme repete às vezes lances de ingenuidade em cargas românticas que poderiam ser economizadas, mas, ainda assim, sua pulsão de indignação intelectual é incontornável. E talvez exatamente por isso, mesmo com suas falhas, Alexandria seja como um chamado: o saber pode ser derrotado, mas não silenciado. E se a câmera vacila em focar na alma dos personagens, permanece firme ao registrar a paisagem deles.


Alexandria (Ágora, 2009 / Espanha)
Direção: Alejandro Amenábar
Roteiro: Mateo Gil, Alejandro Amenábar
Com: Rachel Weisz, Max Minghella, Oscar Isaac
Duração: 127 min.

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