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Wallay

Wallay - filme

Assisti Wallay com a sensação de que o que vemos na tela é ao mesmo tempo familiar e invisível: uma história de choque cultural, sim, mas filtrada pelo olhar delicado de quem quer mais ouvir do que mostrar. A trama começa com Ady, com 13 anos, desligado da figura paterna na França, e enviado para Burkina Faso, um país que ele julga ser para férias, mas que logo se torna palco de um rito doloroso de passagem e amadurecimento.

A direção de Berni Goldblat opta por uma narrativa minimalista, quase documental, que confere credibilidade às relações: a ausência de clichês, o ritmo contido, a câmera que observa mais do que interfere, tudo reforça uma sensação de autenticidade. Esse estilo convida o espectador a mergulhar na experiência de Ady, mas também pode afastar quem espera uma virada dramática brusca. Não há reviravoltas bombásticas e isso é tanto virtude quanto limitação.

A atuação de Makan Nathan Diarra como Ady, um adolescente franco‑burkinense perdido entre tradições, é contida e convincente. Ele alterna sarcasmo e curiosidade, observando o mundo ao redor com aquela mistura clássica de rebeldia e inocência. Ibrahim Koma, como Jean, e Hamadoun Kassogué, como o tio Amadou, representam polos opostos da tradição: um acolhe, o outro impõe regras. Essa dicotomia gera tensão sem apelar para golpes de cena fáceis.

Wallay - filme
Um momento marcante que sintetiza a ambiguidade emocional do filme é a cena da circuncisão. Não há drama hollywoodiano, mas um ritual cultural que confronta Ady com a gravidade da masculinidade imposta. A câmera não escancara o ato, mas nos força a senti‑lo na expressão do rosto do garoto e pelo silêncio ao redor. Esse instante resume o conflito entre o moderno e o ancestral, tema central do filme: tradição versus identidade, pertencimento e autonomia.

A construção do contraste cultural é positiva: a vida rural, simples, com suas rotinas casuais, articula um universo que Ady desacostumado e desarmado deve aprender a decifrar. A paleta visual, a ambientação e o som — os apagões, o calor, os risos — ativam uma atmosfera sensorial que as críticas identificaram como um realismo doce e educativo, sem didatismo. Outro mérito é dar voz a um filme africano visto sob ótica externa, mas com sensibilidade, ainda que isso limite uma abordagem mais profunda sobre os locais.

Wallay - filme
Pelo lado negativo, faltam camadas mais densas de conflito. A jornada de Ady é simpática, mas previsível, especialmente para mercados acostumados com narrativas mais densas sobre identidade e poder. Não há questionamentos robustos sobre as estruturas sociais ou uma transformação interna mais radical do protagonista. Wallay não traz nenhuma mensagem nova ou ousada e pode decepcionar quem busca no cinema africano uma crítica mais afiada às tradições.

Mas isso não tira o valor de Wallay como um relato afetivo e honesto da adolescência. O filme existe nas lacunas entre o riso e a dor, entre o relevo da paisagem e o limiar da mudança pessoal. Vejo nele um estudo de caráter mais do que um estudo de cultura, um retrato de deslocamento que evita o fácil. Sua maior qualidade é deixar o espectador pensar sobre o que não foi dito, sobre os silêncios nos gestos.

Ao fim, Wallay é um filme que cresce na memória: não por reviravoltas grandiosas, mas pela ressonância dos pequenos gestos de Ady, pela tensão contida na figura do tio, pela paciência na construção do pertencimento. É sensível, discreto e autêntico, uma experiência de amadurecer contada em tons menores, mas com muita honestidade.


Wallay (Wallay, 2017 / França, Burkina Faso, Catar)
Direção: Berni Goldblat
Roteiro: David Bouchet
Com: Makan Nathan Diarra, Ibrahim Koma, Hamadoun Kassogué, Joséphine Kaboré, Mounira Kankolé
Duração: 84 min.

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