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Assistir Ma me deixou com sentimentos mistos: há momentos de pura intensidade e promessas de algo mais profundo, mas que nunca se concretizam completamente. O filme dirigido por Tate Taylor parte de uma ideia instigante. Sue Ann (Ma), personagem vivida por Octavia Spencer, é uma mulher solitária e marcada por traumas do passado que, de certo modo, volta a reviver seu sofrimento ao se aproximar de um grupo de adolescentes. Há algo de perturbador no modo como o bullying, a inveja social e a exclusão — temas que geralmente são tratados superficialmente — começam a surgir como raízes do horror no presente. A premissa, em si, já capta: você espera tensão, espera choque, espera que o sofrimento interno da protagonista deixe de ser só psicológico para se tornar algo mais assustador.
Octavia Spencer carrega tudo. Ela é o eixo em torno do qual o filme oscila entre empatia e repulsa, entre ver nela uma figura trágica e ver nela uma ameaça real. Sua atuação alterna momentos em que Sue Ann parece apenas uma mulher que tenta pertencimento e outros em que sua fixação se torna quase física e visceral. É nesse espaço, entre o humano e o monstruoso, que Spencer brilha mais. Quando o filme funciona, é porque o público sente que Sue Ann é mais do que vilã de horror: ela é produto de dores reais, de rejeição, de feridas que não cicatrizaram. E Spencer encontra sutilezas no olhar, no silêncio, na espera antes do surto.
Mas o filme sofre com escolhas que diluem seu impacto. Em muitos trechos, os adolescentes são pouco mais do que estereótipos: festas, álcool, rebeldia juvenil. Tudo isso já tão visto e repetitivo, sem profundidade real. Eles existem para gerar tensão ou para servir de escudo emocional de Ma, sem que se explore o suficiente quem eles são. O roteiro deixa buracos. A motivação da antagonista aparece às vezes abrupta e algumas regras ganham peso simbólico mas perdem força dramática ao revelar-se artifício previsível. O ritmo tem mais força nos momentos iniciais mais lentos, justo para uma construção de atmosfera que promete, mas que, quando o clímax se aproxima, parece ter pressa em resolver conflitos ou simplesmente chocar.
A direção de Tate Taylor traz traços que funcionam e há momentos de tensão visual bem construídos. Em especial, o uso dos espaços domésticos, que deveriam acentuar o claustrofóbico e o desconfortável. Algumas cenas de horror corporal chegam a incomodar, a provocar uma sensação de quebra entre o familiar e o grotesco, o que é ótimo. E o fato de utilizar flashbacks da juventude de Sue Ann ajuda a dar contexto, embora não sejam sempre bem integrados ao presente e, por vezes, soam como via de solução rápida narrativa em vez de aprofundamento orgânico.
O que me incomoda mais, porém, é a indecisão de tom. O filme quer voar entre suspense psicológico, terror explícito, crítica social, drama adolescente, mas não consegue sustentar um equilíbrio entre tudo isso. Em muitos momentos, o filme parece hesitar. Vai para o horror, volta para o drama, reflete sobre trauma, mas logo corre para susto fácil. Uma oscilação que deixa o espectador em dúvida.
Há, contudo, momentos notáveis. Por exemplo, a sequência em que Sue Ann encurrala os jovens no porão é primorosa. A tensão cresce de modo visual e emocional, com uso de iluminação, som ambiente, planos fechados que focalizam expressões. É o ponto em que o filme abraça aquilo que prometeu no início: horror psicológico visceral. Também a cena de pintura do rosto de um dos jovens, que mistura humor mórbido, surrealismo involuntário e crítica racial velada, me pareceu das mais fortes, justamente porque se torna simbólica. Não só mais sangue ou mais violência, mas algo que provoca incômodo para além do gore.
No que diz respeito às fraquezas, além do roteiro frouxo em alguns momentos, o suporte emocional entre personagens secundários é pouco sólido. A mãe de Maggie (Juliette Lewis) tem lampejos de força dramática, mas suas motivações e evolução ficam restritas por diálogos pouco convincentes. Luke Evans, Allison Janney e outros atores de apoio cumprem seus papéis, mas raramente têm espaço para surpreender. Em geral, o antagonista e o tema central se sobressaem bem ao resto.
Em resumo: o filme Ma vale a pena. Sobretudo para quem gosta da atriz Octavia Spencer, de horror psicológico com pitadas explícitas e cenas fortes, de filmes que escavam o peso dos traumas do passado e a rejeição. Mas quem busca um terror contundente ou um thriller perfeitamente ajustado vai sentir falta de foco, de ousadia narrativa, de personagens de suporte mais bem desenhados e de uma tensão sustentada que não seja interrompida por conveniências de roteiro.
Ma (Ma, 2019 / Estados Unidos)
Direção: Tate Taylor
Roteiro: Scotty Landes
Com: Octavia Spencer, Juliette Lewis, Diana Silvers, Luke Evans, McKaley Miller, Allison Janney
Duração: 99 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Ma
2025-10-29T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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